Morreu jovem. Como naquele tempo não havia carteira de
identidade, calcula-se que ela teria no máximo uns 24 anos. Como veio a óbito –
assim gostam de falar os delegados – até hoje é um mistério. Comia muita folha,
raízes e frutas. Vez ou outra, não era vegana, a carne de algum animal caçado
pelo companheiro. Será indigestão ou na escuridão de alguma caverna de Lagoa
Santa teria errado o parceiro, resultando numa daquelas pedradas ciumentas e mortíferas?
O fato é que o corpo fora esquecido por alguns milhares de anos até que Madame
Annette Laming-Emperaire, recém-chegada da Patagônia, cavou e cavou até encontrar
a cabeça daquela que viria a ser a Very First Lady deste nosso chão sagrado.
Da
caverna, passou direto para o palácio do Imperador Dom João VI. Nada mal para
uma pé-descalço! Durante quase meio século foi objeto de curiosidade e de
considerações científicas. O paço era imperial, mas os vários presidentes
republicanos tinham outras coisas para fazer senão se preocupar com uma moça
que só se chamava Luzia.
Como tantos outros museus, igrejas e monumentos pelo Brasil
afora, o palácio ardeu. Num par de horas, pois havia pouca água e muito menos
consciência do valor da Memória Nacional. Assim morreu de segunda morte
anunciada – obrigado Garcia Marques – uma moça que nunca teria imaginado tal
destino.
A Bahia não podia ficar fora deste atestado de atraso
cultural. Não satisfeitos com a derrubada da primeira Sé do Brasil, o incêndio
da Igreja da Barroquinha e do Paço do Saldanha, o abandono do Arquivo Público,
da Biblioteca Central, do Cineteatro Jandaia, do Excelsior, do centro histórico
inteiro, do Parque de Pituassu com a enferrujando obra de Mário Cravo, dos
barrocos azulejos do convento de São Francisco, do decadente Museu de Arte
Moderna - mais uma vez desistiu de sua Bienal! - competindo com a lisboeta
Santa Engrácia, da Lagoa do Abaeté, das igrejas, conventos e museus do
Recôncavo, governadores e prefeitos ficam na redundância de discursos ocos. E
como não falar da Fonte Nova, hoje com nome de cerveja, que, em vez de
restaurada, foi escandalosamente derrubada para armengar algo malparecido e
superfaturado como a imensa maioria das obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas?
Mais uma vez o Brasil é comentário negativo na imprensa
internacional. Não bastassem os problemas da violência, analfabetismo,
epidemias descontroladas, devastação das florestas primitivas e seus habitantes,
nossos governantes, que nunca botaram os pés num museu, cortam as verbas da
cultura para investir na propaganda mentirosa de suas administrações.
Quando chegará a vez de levantarem a cabeça, abrindo os olhos
e respeitando nossos povos e seus tesouros?
Dimitri Ganzelevitch
publicado n´A Tarde
8 setembro 2018
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