sábado, 8 de setembro de 2018

A SEGUNDA MORTE DE LUZIA

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Morreu jovem. Como naquele tempo não havia carteira de identidade, calcula-se que ela teria no máximo uns 24 anos. Como veio a óbito – assim gostam de falar os delegados – até hoje é um mistério. Comia muita folha, raízes e frutas. Vez ou outra, não era vegana, a carne de algum animal caçado pelo companheiro. Será indigestão ou na escuridão de alguma caverna de Lagoa Santa teria errado o parceiro, resultando numa daquelas pedradas ciumentas e mortíferas? O fato é que o corpo fora esquecido por alguns milhares de anos até que Madame Annette Laming-Emperaire, recém-chegada da Patagônia, cavou e cavou até encontrar a cabeça daquela que viria a ser a Very First Lady deste nosso chão sagrado. 

Da caverna, passou direto para o palácio do Imperador Dom João VI. Nada mal para uma pé-descalço! Durante quase meio século foi objeto de curiosidade e de considerações científicas. O paço era imperial, mas os vários presidentes republicanos tinham outras coisas para fazer senão se preocupar com uma moça que só se chamava Luzia.

Como tantos outros museus, igrejas e monumentos pelo Brasil afora, o palácio ardeu. Num par de horas, pois havia pouca água e muito menos consciência do valor da Memória Nacional. Assim morreu de segunda morte anunciada – obrigado Garcia Marques – uma moça que nunca teria imaginado tal destino.

A Bahia não podia ficar fora deste atestado de atraso cultural. Não satisfeitos com a derrubada da primeira Sé do Brasil, o incêndio da Igreja da Barroquinha e do Paço do Saldanha, o abandono do Arquivo Público, da Biblioteca Central, do Cineteatro Jandaia, do Excelsior, do centro histórico inteiro, do Parque de Pituassu com a enferrujando obra de Mário Cravo, dos barrocos azulejos do convento de São Francisco, do decadente Museu de Arte Moderna - mais uma vez desistiu de sua Bienal! - competindo com a lisboeta Santa Engrácia, da Lagoa do Abaeté, das igrejas, conventos e museus do Recôncavo, governadores e prefeitos ficam na redundância de discursos ocos. E como não falar da Fonte Nova, hoje com nome de cerveja, que, em vez de restaurada, foi escandalosamente derrubada para armengar algo malparecido e superfaturado como a imensa maioria das obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas?

Mais uma vez o Brasil é comentário negativo na imprensa internacional. Não bastassem os problemas da violência, analfabetismo, epidemias descontroladas, devastação das florestas primitivas e seus habitantes, nossos governantes, que nunca botaram os pés num museu, cortam as verbas da cultura para investir na propaganda mentirosa de suas administrações.


Quando chegará a vez de levantarem a cabeça, abrindo os olhos e respeitando nossos povos e seus tesouros?

Dimitri Ganzelevitch
publicado n´A Tarde
8 setembro 2018

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