A
quinta-feira 16 de julho de 1936 foi um dia de calor típico do verão
marroquino. Apareci neste mundo, por cesariana, após louca corrida
automobilística de 250 quilômetros de Tanger a Rabat, às 17:15 na clínica
Dubois-Roquebert. Por razões que explicarei outro dia, minha mãe receava que
nascesse em território internacional.
No dia seguinte
começava a guerra civil espanhola. Passei boa parte da Segunda Guerra Mundial
numa casa sem eletricidade, perdida no campo entre um avô paterno russo,
sorridente e doente, e uma avó inglesa presbiteriana, mandona, fofoqueira, mas
sempre de Bíblia na mão. Muitas vezes saíamos da mesa ainda com fome.
Aos trancos
e barrancos, mal e displicentemente, aprendi a ler e escrever. Cresci. Fui
morar em Londres, em Paris, Madri, Lisboa e Argel. Conheci Igor Stravinsky,
Juscelino Kubitschek, Amália Rodrigues, Dorival Caymmi, Jorge Amado, Umberto de
Itália, Antenor Patiño, Giovana da Bulgária, Juanito antes de ser Juan Carlos o
Matador de elefantes, as últimas sultanas otomanas, um rosário de altezas reais
e sereníssimas, Catherine Deneuve e cem meias estrelas, sem que, nunca-jamais
isso me subisse à cabeça. Foi sempre como se visitasse um imenso e colorido
jardim zoológico. Mergulhei, aqui, nos Alagados, durante nove anos, no projeto
social Bagunçaço. Organizei as últimas exposições individuais de Hansen-Bahia e
de Juarez Paraíso. Levei o Dendê e Dengo a Casablanca e o Zambiapunga a Rabat.
Visitei
apaixonadamente partes de quatro continentes e por aqui me encontro, nesta
terra brasilis, soteropolitano impenitente do centro histórico por mais da
metade de minha vida. Tentei ser útil à sociedade por mim escolhida, consciente
de que poderia/deveria ter feito muito mais, mas sabem como é... cada dia traz
seu pingo de cansaço, de preguiça, de dúvida, de egocentrismo. Poderia ter
vivido mais intensamente, deveria ter feito grandes feitos. Poderia.... Deveria...
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