domingo, 19 de fevereiro de 2017

NÚCLEOS CRIATIVOS



Núcleos Criativos       Estou escrevendo essas linhas imediatamente depois de participar de uma reunião geral do Núcleo Criativo Ondina, em Salvador. Na verdade, uma imersão de quatro dias, envolvendo a preparação de seis projetos audiovisuais (uma telessérie infantil-musical, uma telessérie documental e quatro filmes longos de ficção), uma dúzia de criadores (roteiristas e diretores) e uma equipe de produção com seis pessoas. Estamos trabalhando há sete meses e ainda temos um tempo pela frente para terminar os projetos e encaminhá-los a empresas produtoras, canais de TV e editais.
O programa Núcleos Criativos foi lançado pela Ancine em fins de 2013, em conjunção com o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul-BRDE, com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual. Seu propósito é desenvolver uma Carteira de Projetos de obras audiovisuais brasileiras de produção independente, visando sua maior qualificação para serem produzidas e distribuídas. Os Núcleos Criativos são definidos pela Ancine como “reunião de profissionais criadores, organizados por empresa brasileira independente, com a finalidade de desenvolver projetos de forma colaborativa”. Neste momento, 69 Núcleos estão operando em todas as regiões do Brasil e outros 14 serão autorizados em 2017, através de seleção por chamada pública. Cerca de 350 projetos já foram desenvolvidos.
Esses grupos de colaboração, além de serem superúteis, estimulantes e deliciosos para os criadores, representam um avanço considerável na inserção do Brasil na nova fase da atividade audiovisual que estamos vivenciando. O velho e bom cinema expandiu-se em várias mídias e linguagens e formatos, a constante renovação das tecnologias da comunicação abrem novos caminhos de percepção e novas necessidades inventivas, a dramaturgia audiovisual tomou a forma de um polvo, de uma cabeça de Medusa isonômica (igualmente boa e má). Um cenário que se estende das linguagens estéticas aos modelos de negócio e necessita de novos entendimentos, procedimentos e players.

Aqui e agora
Essa adequação do Brasil aos novos tempos audiovisuais teve início quando, não faz muito tempo, mas antes tarde do que nunca, as fontes produtoras (Estado, empresas de radiodifusão) passaram a valorizar o roteirista como elemento básico da criação. Antes tarde porque, ainda no século XX, já se sabia que os roteiristas eram a base da cadeia criativa das grandes centrais de produção e distribuição (Hollywood, TV), a interface inicial da rede de trabalho coletivo que inclui os outros autores audiovisuais (diretor, fotógrafo, editor, ator). Depois dessa percepção tardia, o foco da gestão de obras audiovisuais começou a mudar, a Ancine abriu linhas de financiamento para o desenvolvimento de projetos e surgiram os Núcleos Criativos.
Os avanços tecnológicos não faltarão nos próximos anos, até 2020 estão previstos progressos significativos no que se refere à Malha Digital Inteligente, à Internet das Coisas e às ditas tecnologias absorventes como Realidade Virtual, Realidade Aumentada, Machine Learning. Avanços que incidirão na criação de obras audiovisuais e na sua difusão. Em paralelo a isso, os artistas e produtores têm diante dos olhos e de suas sensibilidades um Brasil em plena e desesperada mutação, vivendo um momento crucial de sua História que tem de ser traduzido, analisado e posto em questão nas telas do País e do mundo. Para responder a essa missão, a esse desafio, nossos criadores devem estar preparados para usar todas as novas possibilidades técnicas e artísticas que estão se dilatando no século XXI. Expor o Brasil de agora, dentro do mundo de agora.

Histórias do Brasil
O trabalho colaborativo, coletivo, interativo dos Núcleos Criativos ampliam nossa capacidade de ver e refletir esse Brasil convulso, de diagnosticar nossos males e ser eficientes na composição de obras que, mesmo sem dar respostas (que não é uma função da arte), possam dar forma a todas as perguntas, anseios, incertezas, dúvidas que nos atormentam nessa travessia histórica, social e emocional. Mergulhar nas nossas profundezas. Pelo que averiguei com funcionários da Ancine e colegas de outros Núcleos, a maioria dos 350 projetos desenvolvidos vão nessa direção.
Também posso acreditar nisso se tomar como referência os filmes e telesséries que estão sendo elaborados no Núcleo Criativo Ondina. Os projetos aplicam ao Brasil contemporâneo temas como preconceito, raiva social, corrupção do poder, drogas, medo do futuro, baixa estima e contrapartidas como a reinvenção de si mesmo e a redenção através do humanismo, o poder de ressurgimento da Fênix, a volta por cima tão cara à nossa cultura mestiça. Temos de filmar tudo que nos diz respeito com as ferramentas de ponta do presente e o sentimento agudo do futuro. E para isso temos de estar preparados, porque o mundo é outro e o cinema também.

Por Orlando Senna, escritor e cineasta

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