segunda-feira, 5 de junho de 2017

EM FRANCÊS É OUTRA COISA!


Muita parra, pouca uva, design perfeito, misturas improváveis



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É uma família portuguesa, moderna q.b. Casal com dois filhos pré-adolescentes, a mulher com esforçados tiques de menina bem, o marido com ar desconfiado. 

Abancam num bistrot de Paris, em Saint German-dès-Prés. Querem degustar petiscos franceses em pleno coração de França. Os miúdos, enfadados, trocam impressões sobre a ida à Disneylândia. Querem hambúrgueres. "Meninos! Isto aqui não é o McDonald’s! É um restaurante francês!" 

O ‘garçon’, cardápio em punho, acorre solícito à mesa lusitana. Os portugueses tentam o francês, o empregado encolhe os ombros e tenta o inglês. E assim se entendem. De lista na mão, a mulher solta um gritinho. "Olha! Têm escargots como entrada! Escargots de Bour-go-gne!" 

O marido, precavido, faz o alerta. "A quanto é que é?" Beicinho descaído. "É só 15 euros..." As crianças gritam por bife. O ‘garçon’ sorri. "Steak au poivre?!" Pode ser. 
Feitos os pedidos, em linguajar anglo-francês, o casal relaxa.

 Falam de cozinhados, gastronomia, restaurantes portugueses da e na moda. A mulher arrisca pronunciar ‘chef’ (abreviatura do francês ‘chefe de cozinha’) e disserta sobre os ‘chefs’ de que se fala em Portugal, mais as estrelas Michelin. 

Os Media (das TV às revistas cor-de-rosa, das rádios aos jornais ditos de referência) têm empanturrado a imaginação do português com pratos exóticos, sempre com um leve toque rural, do Minho ao Algarve. Muita parra, pouca uva, design perfeito, misturas improváveis, odores imprevistos, porque olhos, nariz, até os ouvidos, também comem. 

Heranças da ‘nouvelle cuisine’, como quem diz, da ‘cozinha nova’ inventada nos idos de 70. Uma leveza, uma apresentação esmerada. Tudo em francês, que em francês os cozinhados têm mais "je ne sais quoi...". A gastronomia está na moda em Portugal. Assim seja! Ainda que qualquer bicho-careto se arvore em ‘chef’ e abra restaurante (diz-se "espaço") onde se apresenta... "um novo conceito de cozinha!" 

Poucos amadores, e até profissionais, se dão ao labor de beber da arte de Mestre João Ribeiro, Abade de Priscos ou Maria Lurdes Modesto, menos ainda recordam a crítica requintada e honesta de José Quitério e seguidores. Bem pregam nutricionistas, pediatras, até o Ministério da Saúde, que se come mal em Portugal. Pudera! Quem não tem tempo nem dinheiro, come pizzas e hambúrgueres. 

A velha dieta mediterrânica, ressuscitada há uns anos, passou a ser luxo de amantes de produtos biológicos. Mas o francês é fundamental! Por cá, é ainda em francês que se separam as águas em matéria de gastronomia. 

Em Paris, quando os escargots poisam na mesa (devidamente envolvidos em molho de manteiga, salsa e alho), a senhora pega na pinça, levanta o gastrópode e indigna-se. "Ah! Mas isto são caracoletas!" O marido, a faca no queijo "chèvre", solta gargalhada. "E este chèvre que pediste! Afinal, é queijo de cabra, mas mais mole..."



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