sábado, 4 de novembro de 2017

ISTAMBUL 1973



Resultado de imagem para fotos sultana neslisah  A ponte sobre o Bósforo acaba de ser inaugurada, inauguração a qual, por mero acaso, fora convidado. O barco veloz da sultana Neslisha, mãe de minha amiga Ikbal, nos leva de Ortakoÿ até o lado oriental do estreito. “Você gosta de iogurte? me pergunta a princesa otomana. Sim? Que bom! Vamos até Anadolu. São os melhores da Turquia”. Servido generosamente em tigelas de barro grosso, assim descobri o iogurte original.
A seguir, iríamos almoçar no yali da húngara condessa Ostrorog. O que é um yali? É uma mansão apalaçada de madeira, geralmente pintada de tradicional vermelho sangue-de-boi. A casa que hoje nos recebe, construída no fim do século XVIII, é uma das mais belas dentre as 620 tombadas nos dois lados do Bósforo. Como os outros yalis, esta encontra-se à beira do estreito e pouco acima da água. Parece perigoso, mas entre o mar Negro e o mar de Mármara, diferença de marés inexistem. O barco parou nos degraus de pedra da entrada principal. A sultana pediu logo para ver a nova decoração do Salon Rose cuja peça mais vistosa era um antigo tapete chinês rodeado de poltronas Biedermeier. Depois de curta visita à casa, descemos até o jardim pela escada apreciando seus elegantes corrimãos de mármore finamente lavrado.  À volta de uma fonte de pedra, mesas redondas nos esperavam. De um lado o morro, com árvores imemoriais, troncos escondidos por hortênsias. Do outro, o Bósforo. Ao longe, uma multidão de minaretes entre os quais os dez, agrupados,  da Sultan Ahmet Camii e da Hagia Sophia. Por um acaso providencial fui invitado a sentar ao lado do famosíssimo violinista Yehudi Menuhin. Encontramos o mesmo entusiasmo pela cultura popular, o que me preservaria aventurar-me nas areias movediças da música.

Resultado de imagem para fotos yali istambul Os pratos desfilam com delicias desconhecidas. O vinho é leve como a brisa que ameniza o calor primaveril. A condessa Ostrorog vem até nossa mesa apresentar ao genial virtuoso um adolescente segurando seu violino. “Mestre, gostaria tanto que desse uma opinião. Mas, por favor, diga o que pensa realmente...” O garoto executa com seriedade e sem gênio uma csardas de Brahms. Mais tarde Menuhin me confessará que este tipo de armadilha faz parte da maioria dos convites que ele aceita. O preço da fama.

O sol de maio começa a declinar. As conversas se fazem mais confidenciais. Riso claro de uma convidada, tosse discreta de um fumante. De repente, o céu obscurece, como na eminência de uma tormenta. Levantamos os olhos. Colada ao jardim, a muralha enferrujada e colossal de um cargueiro soviético desliza lenta e silenciosamente nas águas profundas. No alto do convés, sombrias cabeças de marinheiros observam nossa reunião, nostálgica cena de um tempo perdido...

Dimitri Ganzelevitch
Novembro 2017





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