Antes do
carnaval de 1976, a universidade de Houston, no Texas, mandou uma equipe de
pesquisadores para Salvador. Durante um mês, cada um foi incumbido de trabalhar
com um dos blocos ativos naquela época. Na minha recém-aberta Galeria da Sereia
no largo do Pelourinho, tive a oportunidade de me relacionar com Laverne
Dutton, uma baixinha e dinâmica loira que soube enfrentar a desconfiança dos
Filhos de Gandhi e acabou reunindo preciosíssimo material.
Assim, uma
farta documentação sobre o carnaval de Salvador, incluindo êxitos do momento –
partituras, letras, filmagens e gravações ao vivo – e fantasias completas de
cada bloco, está hoje à disposição dos estudiosos americanos. Até elementos dos
enfeites de rua estão em Houston, como, por exemplo, uma das cabeçonas criadas
por Fernando Coelho e Tati Moreno. Uma delas, aliás, despencou, matando um
folião na Praça Castro Alves.
Com
exagerada frequência me queixei da amnésia dos governantes em qualquer assunto
que envolvesse a cultura popular baiana. Que não exista nenhum centro de
memória sobre as expressões de nosso povo é simplesmente vergonhoso. Homem do
Nordeste? Dragão do Mar? Museu Edison Carneiro? SEMIG? Casa do Pontal? Pra
quê?!
A Bahia
merece um espaço especificamente dedicado à farta produção de seu gênio
popular. Cadê a rica colcha dos mil retalhos que compõem a cultura baiana? Desde
as procissões até o samba de roda passando pelos cantos e recantos do sertão,
do Recôncavo e dos litorais. Do mar, dos rios e das lagoas. Dos rituais de
passagem, da vida e da morte. Dos terreiros e dos quilombos. Dos ouros, das
pratas e das esmeraldas. Dos vaqueiros e dos cortadores de cana. Dos couros,
dos barros e das palhas.
Devemos,
sim, parabenizar a prefeitura por algo que deveria ter sido feito há décadas. Mas
não basta. Precisamos de um projeto muito mais amplo, mais abrangente, a nível do
estado da Bahia. Infelizmente, o que esperar de governos que abandonam um
cinema Jandaia, um museu Wanderlei Pinho e até deixam ruir o Solar do Unhão - Museu
de Arte Moderna da Bahia – sonhado e realizado pela lendária Lina Bo Bardi na
gestão do governador Juracy Magalhães?
Agora só se
fala da megalomaníaca ponte chinesa sobre a baía, enquanto os hospitais não têm
nem esparadrapo e, na entrada de Santo Amaro e São Tomé de Paripe, jazem dois
enormes imóveis abandonados que um dia tiveram a pretensão de concretizar as
promessas do projeto Minha Casa Minha Vida.
E, por falar em Paripe, quem usa o embarcadoiro
para a ilha de Maré arrisca sua vida, tal seu vergonhoso estado de conservação.
A prefeitura de Salvador não chega até lá?
Voltando a
memória da cultura popular, não passou da hora de dignificar a identidade
baiana?
Dimitri Ganzelevitch
A Tarde 13/1/18
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