Por favor, não me venham com saudades de Itapuã, nem com a
balaustrada do Porto da Barra. Não me contem o porquê do nome da Placafor nem
me convidem para um happy-hour com a gentry da Penha. Para mim, praia com
mais de um bípede por 10.000 m2 é lotação. Gosto de areia virgem de pegada
humana. Gosto do quebrar das ondas pontuado pela chamada dos bem-te-vis. Quero
andar a passos lentos, procurando conchinhas coloridas que esquecerei no
porta-malas do táxi. Quero tomar banho de preguiça, boiando como fatia de melão
em águas tépidas que nem consommé de galinha.
Voltei à praia de Bainema onde se esconde entre coqueiros e
amendoeiras um palácio tropical, uma casa com mais vidros que alvenaria, com
degraus de madeira corroída pela maresia, uma vértebra de baleia servindo de
mesa para o café da manhã. Sou o rei, o próprio rei persa de Pasárgada. Conquistei
este reinado ludibriando dois casais de amigos que lá me convidaram em setembro
passado. Mas agora ele é todo meu. Por esta coroa dei meu alazão!
Concedi bondosamente a dois
velhos amigos da velha Paris a honra de nele penetrar por quatro noites. O
André, que nos anos 70 fundou a Aliança Francesa de Salvador, levou Manuelzão e Miguilim de Guimarães Rosa. Me
diga: além do mexicano Juan Rulfo, quem mais mereceria dormir no altar-mor do
panteão da literatura latino-americana? Claudine, doutora em ciências políticas,
celebrando sua décima quinta viagem à Bahia, preparava no laptop o próximo
torneio de bridge nos salões do seizième.
E eu, viajando com Alexis de Tocqueville, sociólogo da democracia moderna
(dixit o Google), no relato de 1831 sobre Quinze
dias no deserto. O deserto, na verdade, sendo a floresta hostil do norte
dos EUA, desprovida de qualquer sinal de civilização ocidental, onde ele
penetrou guiado por dois índios até não poder mais avançar. Relatos de
descobridores do século XIX sempre me fascinaram. Richard Burton, Maximiliano
de Habsburgo, Humboldt ou Darwin superam as mais loucas ficções.
Três idosos, corações
adolescentes, sentados no fim da tarde para o ritual da chegada da lua, copo de
caipirinha na mão. Pinga mesmo. Cada um contando lembranças, caminhadas por
longínquas pistas, tempos de estudantes. O passado é um refúgio, um jardim azul
de plantas escolhidas. Já de noite estrelada, uma luz na areia. É o Henrique
que nos traz do Pontal, aquela barraca resume do Soho com Fasano, um ceviche de
polvo. Henrique é um fugitivo. Abandonou a gravata de advogado soteropolitano
para os óculos de pesca submarina. Voz de barítono. Risada de Netuno. Sabe tudo
de todas as ilhas do arquipélago. Quem não gosta dele ainda não nasceu.
Guardo o canto mântrico das ondas
como se tivesse um búzio colado ao ouvido...
Que bonito.
ResponderExcluirSei bem do que falas. Meus momentos perdida nesta praia, nesse bar, nesse lugar do mundo onde me perco e me encontro. E essa risada de Netuno completada pelo sorriso de uma sereia deram a nota final de perfeição ao local.
ResponderExcluirToda essa eloquência de palavras verdades me deixou quase no meio de vocês!! Parabéns rs
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