Em 1957, o
cineasta português Antônio Lopes Ribeiro, meu padrasto, na intenção de rodar um
filme sobre uma lenda de Trás-os-Montes, me pediu para, acompanhado de uma produtora,
fotografar tudo o que poderia ser interessante para a proposta. O tema envolvia
uma ponte legendária debaixo do qual as mulheres que não podiam ter filhos
teriam que passar uma noite. Esta remota parte de Portugal, pouco mudada desde
a Idade Média, nos levaria a uma viagem no tempo.
A noite se aproximava. Chegando a Ponte de
Lima, ainda longe do destino, em pouco tempo adentramos as terras já cobertas
de sombras do severo Paço da Glória, propriedade de Peter Pitt-Millward,
descendente direto do primeiro-ministro inglês William Pitt. Como e quem me
dera o contato, me é impossível hoje lembrar. Enquadrada por duas torres
quadradas, uma elegante galeria arcada corria ao longo da fachada coberta de
erra. O homem nos seus sessenta, acompanhado de dois cães, desceu a escadaria
para nos receber. Nosso modesto Citroën 2cv, incôngrua lataria em frente da
imponente residência, foi escondido perto das cavalariças. Um silencioso
mordomo nos levou até a torre onde nos esperavam os quartos. Lá passaríamos a
noite antes de continuar rumo aos povoados mais primitivos das altas terras
lusitanas.
Pouco tempo
depois, fomos convidados a acompanhar novamente o mordomo para a sala de jantar.
Sóbria, cadeiras de espaldar alto. Um abajur iluminava a mesa redonda bem no
centro, deixando na penumbra o resto do espaço. Antigos retratos nos observavam
com olhar altivo. Cinco talheres. Além do anfitrião, um menino de uns sete anos
e sua governante. A refeição correu sem grande animação. Usufruíamos de uma
generosa hospitalidade, mas as britânicas distâncias eram mantidas.
Quando
pensávamos que aqui parariam as amabilidades, Sir Peter nos convidou a segui-lo
para tomar um cálice de Porto num salão ocupado por um piano de cauda - um
Steinway entulhado de partições - uma bela biblioteca e várias obras de arte de
qualidade, qualidade aliás confirmada por recentes catálogos da Sotheby´s. Perguntei
como adquiria suas peças, morando tão longe de Londres. “Por telefone” me
respondeu simplesmente.
Sir Peter tocou um botão e uma longa cortina que
ocupava uma parede inteira deslizou lentamente. Apareceu um janelão de vidro que
revelou embaixo da torre um curral pintado de branco, evidenciado por luz
generosa. A cancela aberta por um adolescente vestido de branco deixou evoluir
um magnífico cavalo árabe, branco também, cauda elegantemente levantada...
Às vezes, no
céu de alguma noite de insônia, sento numa velha poltrona e vejo o alegre cavalo
caracolando, caracolando no meio das estrelas, só para mim...
Delícia de texto, Dimitri!
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