sábado, 25 de agosto de 2018

O CAVALO BRANCO


Em 1957, o cineasta português Antônio Lopes Ribeiro, meu padrasto, na intenção de rodar um filme sobre uma lenda de Trás-os-Montes, me pediu para, acompanhado de uma produtora, fotografar tudo o que poderia ser interessante para a proposta. O tema envolvia uma ponte legendária debaixo do qual as mulheres que não podiam ter filhos teriam que passar uma noite. Esta remota parte de Portugal, pouco mudada desde a Idade Média, nos levaria a uma viagem no tempo.      

Resultado de imagem para FOTOS DO PAÇO DA GLORIA PONTE DE LIMA

 A noite se aproximava. Chegando a Ponte de Lima, ainda longe do destino, em pouco tempo adentramos as terras já cobertas de sombras do severo Paço da Glória, propriedade de Peter Pitt-Millward, descendente direto do primeiro-ministro inglês William Pitt. Como e quem me dera o contato, me é impossível hoje lembrar. Enquadrada por duas torres quadradas, uma elegante galeria arcada corria ao longo da fachada coberta de erra. O homem nos seus sessenta, acompanhado de dois cães, desceu a escadaria para nos receber. Nosso modesto Citroën 2cv, incôngrua lataria em frente da imponente residência, foi escondido perto das cavalariças. Um silencioso mordomo nos levou até a torre onde nos esperavam os quartos. Lá passaríamos a noite antes de continuar rumo aos povoados mais primitivos das altas terras lusitanas.
Pouco tempo depois, fomos convidados a acompanhar novamente o mordomo para a sala de jantar. Sóbria, cadeiras de espaldar alto. Um abajur iluminava a mesa redonda bem no centro, deixando na penumbra o resto do espaço. Antigos retratos nos observavam com olhar altivo. Cinco talheres. Além do anfitrião, um menino de uns sete anos e sua governante. A refeição correu sem grande animação. Usufruíamos de uma generosa hospitalidade, mas as britânicas distâncias eram mantidas.
Quando pensávamos que aqui parariam as amabilidades, Sir Peter nos convidou a segui-lo para tomar um cálice de Porto num salão ocupado por um piano de cauda - um Steinway entulhado de partições - uma bela biblioteca e várias obras de arte de qualidade, qualidade aliás confirmada por recentes catálogos da Sotheby´s. Perguntei como adquiria suas peças, morando tão longe de Londres. “Por telefone” me respondeu simplesmente.

Resultado de imagem para FOTOS De cavalos arabe

 Sir Peter tocou um botão e uma longa cortina que ocupava uma parede inteira deslizou lentamente. Apareceu um janelão de vidro que revelou embaixo da torre um curral pintado de branco, evidenciado por luz generosa. A cancela aberta por um adolescente vestido de branco deixou evoluir um magnífico cavalo árabe, branco também, cauda elegantemente levantada...

Às vezes, no céu de alguma noite de insônia, sento numa velha poltrona e vejo o alegre cavalo caracolando, caracolando no meio das estrelas, só para mim...

Um comentário: