Caiu a máscara do juiz-ladrão
Diziam que era a maior operação anticorrupção do mundo, mas se tornou o maior escândalo judicial da história.
Por Gaspard Estrada / The New York Times, 9 de fevereiro de 2021
Neste mês, o grupo de trabalho responsável pela operação Lava Jato foi dissolvido pelo procurador-geral brasileiro. O fim da operação que se dizia anticorrupção, cuja ação mudou os rumos da história do Brasil e da América Latina, poderia ter provocado uma reação violenta: para alguns era um dos poucos esforços contra a impunidade para políticos e empresários, mas na verdade ela se tornou um exemplo da politização da justiça que nasceu com graves falhas de origem.
Seja você a favor ou contra a operação, uma coisa é certa: a interação entre corrupção e política ainda está na ordem do dia. No mesmo dia em que foi anunciada a dissolução da operação, Arthur Lira, político investigado por atos de corrupção, foi eleito presidente da Câmara dos Deputados.
Mas nem nas ruas nem nas redes sociais da internet, nenhum dos dois anúncios gerou mais indignação. O imenso capital político e social acumulado por Sergio Moro, o juiz que ficou famoso com a Lava Jato, e pelos promotores, se evaporou rapidamente. E isso leva a outra conclusão: ao invés de ajudar a erradicar a corrupção, conseguir maior transparência na política e fortalecer a democracia, a tal operação contribuiu para instalar o caos que o Brasil vive hoje. Foi vendida como a maior operação anticorrupção do mundo, mas se tornou o maior escândalo judicial da história do Brasil.
Seu fim, anunciado com desprezo, nos diz muito sobre o descrédito em que caiu após a vitória de Jair Bolsonaro, impulsionado em grande parte pela indignação social provocada pelo "lavajatismo". Permite ainda uma reavaliação do legado da operação e da forma como entrará nos livros de história, nomeadamente após a recente publicação de novos diálogos via Telegram entre Moro e os procuradores do Ministério Público, que confirmaram suas intenções eminentemente políticas.
Para defender seu trabalho, os advogados da Lava Jato apresentaram uma série de números que mostram o enorme tamanho dessa operação. Em sete anos, foram emitidos 1.450 mandados de prisão, 179 ações criminais, 174 condenações de empresários e políticos do mais alto nível, entre eles o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No entanto, para conseguir isso, os promotores caíram em graves violações do devido processo sem reduzir em nada a corrupção.
Se já se sabia há algum tempo que Moro havia condenado Lula da Silva por "atos indeterminados" em acusações das mais duvidosas, sabemos agora que foi o próprio Moro quem dirigiu a construção artificial da acusação contra o ex-presidente, violando o princípio jurídico de não ser juiz e parte ao mesmo tempo.
Quando os advogados de Lula denunciaram ter sido espionados ilegalmente em escutas telefônicas pela operação Lava Jato, os procuradores garantiram que havia sido um “engano”, mas hoje é possível constatar que os promotores eram constantemente informados pelos policiais federais encarregados das interceptações telefônicas, com o objetivo de traçar estratégias e obter a condenação de Lula sem nenhuma prova de que o ex-presidente cometeu algum crime.
Moro vangloriou-se em suas conferências das somas recuperadas em favor dos cofres públicos, mas não disse que 50% do dinheiro das multas impostas pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos à Petrobras e à Odebrecht iriam para uma fundação ilegal de direito privado, cujos dirigentes seriam os próprios integrantes da Lava Jato, juntamente com dirigentes de ONGs que atuavam ilegamente no processo. Em 2019, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a tal fundação.
Se usarmos os critérios do juiz Moro para julgar as ações do Cidadão Moro, esses diálogos revelam atos ilegais. Mesmo diante dessas revelações, Moro e os agentes da Lava Jato continuam negando a veracidade dos diálogos. A desvantagem desse argumento é que foi a própria Polícia Federal do Brasil, sob as ordens de Moro, quando foi recompensado com o cargo de Ministro da Justiça de Bolsonaro, que revisou as mensagens e as considerou verdadeiras.
Em 2019, os jornalistas do The Intercept receberam 43,8 gigabytes de dados, o que gerou mais de uma centena de artigos sobre o Lava Jato. Até agora, apenas 10 por cento dos 7 terabytes foram analisados, com o que se espera que continuem a aparecer falhas e graves ilegalidades na operação. Mas mesmo com esse pequeno percentual revisado, os diálogos confirmam que essa operação perverteu a justiça, violou o Estado de Direito no Brasil e foi fator fundamental na construção da distopia que o país vive atualmente, com uma crise política exacerbada e com o segundo lugar mundial de mais mortes pela pandemia.
Em 2018, quando Moro anunciou que concordaria em ingressar no gabinete de Bolsonaro como seu Ministro da Justiça e Segurança Pública, muitos especialistas e defensores da operação ficaram surpresos. Talvez agora eles não mais estejam. Para ambos, o fim justifica os meios.
E as consequências dessa conspiração são claras: o Estado de Direito está cada vez mais em perigo com a aprovação de grande parte do “establishment” político e econômico que ontem apoiou cegamente a operação Lava Jato e hoje apóia a chegada ao poder de um político acusado de corrupção na presidência da Câmara dos Deputados, ao mesmo tempo que o presidente da República desmonta grande parte das instituições de combate à corrupção e ao crime.
Ao todo, são boas notícias para o Brasil: nem todas as instituições foram cooptadas. Alguns sempre denunciaram os graves abusos da Lava Jato, ecoando as vozes da sociedade civil que exigem a restauração do Estado de Direito, a começar pela restituição dos direitos políticos de Lula. É necessário continuar monitorando e denunciando essas arbitrariedades e reavaliar criticamente as consequências negativas da operação Lava Jato para a justiça e a democracia no Brasil.
O exposto não significa que a ação firme da justiça contra a corrupção não seja imprescindível. Ao contrário, é necessário fortalecer os instrumentos para acabar com a relação incestuosa entre dinheiro e política.
Gaspard Estrada (@Gaspard_Estrada) é diretor executivo do Observatório Político da América Latina e do Caribe (OPALC) da Sciences Po, em Paris.
Tradução: José Antônio Orlando.
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