sexta-feira, 9 de setembro de 2022

OS QUE VOAM


RUY ESPINHEIRA FILHO

         

Certa vez escrevi sobre um casal de bem-te-vis e o início da vida adulta de seus filhotes. Assisti a tudo de minha varanda, noutra casa, noutro tempo. Sentei-me ali para ler um livro, mas, com bulha no ninho, todos falando alto, até gritando, como continuar lendo? Concentrei-me, pois, naquele escândalo. E logo vi que os pais empurravam um filhote para a beira do ninho. O filhote, claro, protestava em altos brados, ao que os pais respondiam também com ênfase. Logo deduzi: era o voo inaugural do pimpolho. Que, acostumado às comodidades da casa, não queria saber de mergulhar naquele estranho mundo de fora. E protestava. Que gente era aquela que o expulsava de sua própria casa? Bem, era uma gente que fazia o que devia ser feito – e continuou a piar e a empurrar o pequeno para fora. Em dado momento, à beira do ninho, ele abriu as asas e, como não podia fazer outra coisa, tentou se equilibrar com elas – e então, sem dúvida para sua grande surpresa, saiu voando!!!

            E lá se foi, numa espécie de epifania, até um galho próximo de caramboleira. E lá ficou, embalando-se, experimentando o milagre com todos os seus sentidos – e então, erguendo bem a cabeça e estufando o peito, saiu voando, voando, rumo ao mundo vasto, à vida, ao seu destino sonoroso de bem-te-vi. E, enquanto eu me embevecia com o belo espetáculo, novamente outro escândalo no ninho! Sim, novo escândalo familiar, como o anterior, só que bem mais agitado: era o segundo filhote. Menor do que o outro, mas resistindo em dobro, no mínimo. Foi uma operação bem mais demorada, até que, desistindo, o filhote abriu as asas e saiu – voando não, tentando se equilibrar para não cair de vez. E o bater frenético das asas ajudou, chegou ao chão sem traumas físicos.

            Então desceram também os pais. Cada qual num lado do pequerrucho, sermoneando, até que o pequenino, desiludido, experimentou de novo as asas, subindo uns dois palmos e pousando num galho de araçazeiro. Aí o escândalo subiu de tom e de animação, como se os três estivessem rindo muito, gargalhando. O jovem apelou mais uma vez para as asas, conquistou um galho mais alto, depois outro – e lá ficou, como o irmão, ou irmã, encarando a imensa tarefa do mundo, da vida. Hesitou, meio atrapalhado, quase perdeu o equilíbrio – e de súbito voou. A princípio com insegurança, depois com firmeza – e os pais ficaram para trás comemorando o belo cumprimento do dever.

            E agora aqui, estou, anos depois, apreciando, pela janela da sala, as aventuras numa casa de joão-de-barro. O João e a Joana mostram-se atarefadíssimos e muito atentos. Tornei-me, enfim, um observador de pássaros? Espero que sim, é algo bem mais belo e doce do que tentar cultivar esperanças e perseguir ilusões...     

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