A partir desta observação comecei a reparar que a história dos retratos não é mais senão uma imensa sucessão de sorrisos enigmáticos que, na realidade, escondem bocas defeituosas, e que os leques foram inventados mais para esconder as carências dentárias que para lutar contra o calor.
Referência incontornável, a Gioconda, garbosa donzela, pode ser considerada uma obra minimalista. No fundo, uma paisagem imaginária do norte da Itália cortada pelas curvas de um caminho e de uma ponte sem qualquer sinal de vida.
O modelo, idade indefinida, uns vinte e poucos anos talvez, não tem nenhuma joia, a roupa é simples e a pose natural. Por que este misterioso sorriso? É provável que, como a imensa maioria do povo, alguns de seus dentes já estivessem estragados. Salvador Dalí pinta Gala, esposa e musa, de boca fechada. As mulatas de Di Cavalcanti tão pouco ousam rir e até falta a boca em vários moleques, garotões e adolescentes de Portinari.
Ao longo da história, os relatos escritos detalhando personagens famosos não raramente descrevem desastres bocais. O magnífico, soberbo Rei-Sol francês, Luiz XIV, tinha um hálito terrível e todos os dentes estragados. O genial autor da Comédia Humana, Honoré de Balzac (o aristocrático “de” sendo pura fantasia) era simplesmente repulsivo quando abria a boca. O que não o impediu de conquistar mulheres belas, ricas e de alta linhagem, provando que problemas dentários eram corriqueiros.
Meu bisavô era dentista em Paris no fim do século XIX. Pelo que se sabe na família, era um professional de excelente reputação e muito bom nível de vida. Prova o consultório no recém-aberto Boulevard des Capucines. Como ser mais que um simples tiradentes numa época que desconhecia a penicilina, os anestésicos e a eletricidade mal servia para iluminar as principais vias da capital? Mas se a foto evolui, todos continuam sem mostrar os dentes. Com a conquista da lua novos materiais serão encontrados e usados para cáries e implantes. Finalmente a pintura, a fotografia e a odontologia resolveram caminhar juntos permitindo, num alegre pas-de-trois, o Andy Warhol retratar a esplêndida risada de Marilyn Monroe.
Os retratados podem finalmente rir à vontade. Alívio!
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