quarta-feira, 1 de novembro de 2023

PROBLEMAS NOS DIREITOS HUMANOS

 

Por — São Paulo

 

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), órgão ligado ao ministério comandado por Silvio Almeida, enviou um ofício ao ministro pedindo explicações sobre o que classificou como “cenário preocupante e inquietante” em relação às políticas de proteção aos defensores de direitos humanos. O GLOBO teve acesso ao documento, que circulou apenas internamente no ministério.

A coordenadora-geral do programa responsável por aplicar essas políticas, Luciana Cristina Furquim Pivato, foi exonerada do cargo no último dia 10, o que, segundo os integrantes do CNDH, “causou surpresa”. Ninguém foi nomeado para assumir o posto até o momento.

Alçada ao cargo em janeiro, Luciana era tida como uma pessoa competente e que estava empenhada em melhorar a estrutura do programa que oferece medidas protetivas a pessoas como quilombolas, indígenas e trabalhadores rurais sob ameaça — são cerca de 900 em todo o país nessa situação.

Defensores dos direitos humanos e entidades ligadas à causa têm criticado o governo pela falta de recursos para as ações nessa área. O Orçamento aprovado para 2023 previa, inicialmente, a destinação de R$ 789,6 milhões para a pasta, valor que passou a ser de R$ 483,2 milhões após sucessivos cortes orçamentários.

No ofício enviado a Silvio Almeida, o CNDH (órgão composto por 11 representantes da sociedade civil e 11 do poder público) diz que acompanhou “atentamente as iniciativas de reestruturação que vinham sendo empreendidas, as quais eram feitas sempre em diálogo respeitoso”, por isso a alegada “surpresa” com a exoneração de Luciana.

“Os programas de proteção ainda têm trabalhado com estrutura humana, física e financeira abaixo do necessário para seu bom funcionamento, e ainda observamos a crescente violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil, que ainda segue sendo uma realidade assustadora e perversa”, lê-se no documento.

O Ministério dos Direitos Humanos não respondeu ao ofício até o momento. Procurada pelo GLOBO, a pasta também não se manifestou até a publicação desta reportagem.

Relatório divulgado em junho pelas ONGs Justiça Global e Terra de Direitos indica que, de 2019 a 2022, houve 1.171 casos de violência contra pessoas e organizações que promovem os direitos humanos no país, com 169 assassinatos no período. O indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips, mortos no Amazonas em junho do ano passado, integram essa estatística.

Os episódios de violência continuaram a ocorrer neste ano. Na semana passada, o presidente de uma comunidade quilombola do interior do Maranhão foi assassinado a tiros em Itapecuru-Mirim, a cerca de 100 quilômetros de São Luís. A também líder quilombola Mãe Bernadete teve o mesmo destino em agosto, quando foi executada dentro de casa, na região metropolitana de Salvador (BA). Morta aos 72 anos, Mãe Bernadete fazia parte do programa federal de proteção, mas que tinha sua execução sob a alçada do governo baiano.

De acordo com Sandra Carvalho, coordenadora do programa de proteção aos defensores de direitos humanos e da democracia da Justiça Global, o desmanche da rede de proteção a pessoas ameaçadas começou já no fim do governo Dilma Rousseff (2010 a 2016), e se acentuou na gestão Bolsonaro (2019 a 2022). Com a eleição de Lula, a expectativa de haver maior diálogo com os atores desse setor se concretizou, mas a aplicação das ações de fortalecimento segue aquém do esperado:

— A gente tem urgência, temos feito cobranças muito fortes para que a gente avance com mais agilidade. A gente sabia que o grau de dificuldade era extremamente alto. Começamos o diálogo ainda no governo de transição, estamos caminhando, mas o ministério precisa ampliar a estrutura de proteção, em termos de orçamento, para ter mais agilidade.

Em junho, Lula publicou um decreto que institui o grupo de trabalho que ficará encarregado de elaborar o Plano Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos. Esse plano deve estipular metas, tornar a aplicação dessas políticas obrigatória e unificar ações em todo o país. A primeira reunião do grupo de trabalho está marcada para ocorrer no dia 10 deste mês.

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