sábado, 12 de outubro de 2024

QUALIDADE OU QUANTIDADE?



É atribuída a um secretário de turismo baiano tido como gênio nos anos 90, a declaração: “Não quero qualidade. Quero quantidade”. Declaração esta que me levaria a encerrar minha galeria de arte no Mercado Modelo após 16 anos, já que realmente, a qualidade do turismo foi dramaticamente nivelada por baixo. Se, em 1980 vendia mil, em 1996, dificilmente ultrapassava cem.

O que faz de Paris, Roma, Londres e Nova-Iorque receberem muitos milhões de visitantes por ano senão a excelência de seus produtos, seja alta costura, teatros, gastronomia, museus ou monumentos?

A Bahia investe pouco e mal em turismo. Praias não são devidamente equipadas e muitas impróprias para banho. Os transportes públicos, as rodovias, a segurança, as cidades do Recôncavo e até o próprio centro histórico de Salvador estão a léguas de satisfatórios. Os monumentos – entre muitos outros - Museu do Cacau, Solar Boa Vista, Cine-teatro Jandaia, capela de Nossa-Senhora da Penha, Museu de Arte Sacra, Teatro Castro Alves, Acervo Frans Krajsberg, Igreja de Nossa-Senhora do Vencimento, Museu do Recôncavo, Museu dos Humildes, etc. – desprezados.

Em Salvador, não existe política séria e contínua de preservação de bairros como a Saúde, Soledade e Comércio. O que está se fazendo a volta do Elevador Lacerda é simplesmente vergonhoso. Pinta-se as fachadas ao Deus dará, sem qualquer pesquisa, enquanto as estruturas dos edifícios estão desmoronando. Assim fizeram os ministros bajuladores russos no século XVIII quando a tzarina Catarina a Grande resolveu passear pelo seu reino. Pintaram as fachadas dos casebres e colocaram os miseráveis para dançar. Tudo parecendo felicidade.

Não se trata de investir em produção para turista se iludir e tomar selfies. O essencial é investir no cidadão, aquele que paga impostos e dinamiza, aquele que é a própria identidade de sua terra.

Ultimamente, as redes de comunicação têm divulgado a profunda insatisfação e até agressividade dos moradores de Veneza, Atenas, Barcelona e Lisboa com o excesso de turismo predador que passa poucas horas, contenta-se com três selfies, um taxi e volta para o navio cuja poluição ambiental ultrapassa os parcos benefícios obtidos pelas lojas de souvenirs

O turismo de massa é uma gangrena que tudo corrói, fazendo de qualquer ponta do globo se parecer a mil outros.

Ninguém pense que, à casa retornando, o turista terá enriquecido sua cultura e a compreensão de outros povos.

Certa vez, no Club Med de Itaparica, na hora do almoço, sentei ao lado de um francês rico e grosso. Perguntei se iria conhecer Salvador. Me respondeu: ”Para quê? Para ser tema de conversa durante dois jantares? Não vale a pena. Prefiro a piscina e o buffet do Club.”

Este é o tipo indesejável de turista.

 

Dimitri Ganzelevitch

A Tarde, sábado 12 de outobro 2024

 

 

Um comentário:

  1. Em 1985, durante um passeio de charrete pelo bairro de hotéis de luxo em Marrakech resolvi contar o número de equipamentos para hóspedes exigentes. Quando cheguei a 50 parei de contar. Havia mais e mais palácios tipo Mil e Uma Noites... Enquanto em Salvador havia apenas 5 hotéis "5 estrelas". Le Meridien, Bahia Othon Palace Hotel, Salvador Praia Hotel, Hotel da Bahia e Hotel 4 Rodas de Itapuã.
    Precisa de mais argumentos para mostrar a ineficácia dos gestores do turismo de Salvador, cidade com maior potencial turístico do planeta?
    Alguém conhece uma cidade com maior potencial turístico que Salvador? Duvido e faço pouco!
    Falo em que poderia ser e não é por causa de competência dos prefeitos dos últimos 30 anos. Incompetência e ganância dos "donos da cidade"!
    Digo mais, essa MONOCULTURA do carnaval é um ato criminoso, empurrando milhares de soteropolitanos na condição de escravo de ganho, tendo que submeter a uma atividade precarizada que é a de ambulantes e cordeiros.
    Monocultura do carnaval que afugenta os turistas que você citou, caro Dimitri.
    Sem essa monocultura do carnaval e demais festas tipo pegação, Salvador poderia ter emprego e renda por todo ano e não apenas pela duração exagerada do carnaval. Basta comparar nossa cidade com outras capitais do Nordeste.
    Com turismo de qualidade haveria mais hotéis para hóspedes exigentes, mais restaurantes bons, mais vagas de emprego para quem hoje é obrigado a dormir durante 15 dias em cima de uma caixa de isopor para vender uma cerveja vagabunda, marca imposta pela prefeitura.
    Quem ainda não se convenceu de que Salvador só perde por causa desse carnaval monstruoso, que venha para a Barra e veja no que deu a famigerada revitalização de Netinho e Bellintani.

    ResponderExcluir