Decepção com vida no exterior levou juiz a criar nome falso, diz laudo psiquiátrico da defesa
Advogados afirmam que juiz sofria de Transtorno de
Personalidade Esquizoide e que mudança de identidade não visava prejudicar
ninguém.
Por Reynaldo Turollo Jr,
A decepção com a vida no exterior e a frustração
por não ter conseguido realizar o sonho de viver em um país de língua inglesa
levaram o juiz aposentado José Eduardo Franco dos Reis a
criar um novo nome e uma nova identidade.
Segundo laudo
psiquiátrico apresentado à Justiça, o magistrado desenvolveu um quadro de
Transtorno de Personalidade Esquizoide (TPE) e adotou o nome Edward Albert
Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield como uma forma de "renascer
outra pessoa".
O laudo foi anexado à
resposta da defesa à acusação apresentada na
ação penal em que Reis é réu na Justiça de São Paulo.
🔎A defesa pede à
Justiça que instaure um incidente de insanidade mental para avaliar o estado
psicológico do magistrado.
Frustração e mudança de
identidade
Segundo o documento assinado pelo psiquiatra
forense Gustavo Bonini Castellana, o juiz relatou ter sido motivado por uma
forte decepção pessoal.
Aos 18 anos, Reis conseguiu viajar para Boston, nos
Estados Unidos, na expectativa de iniciar uma nova vida. Contudo, ao chegar ao
destino e não encontrar o amigo que havia prometido ajudar, o juiz ficou
abalado e decidiu retornar ao Brasil poucos meses depois, sentindo-se
fracassado.
De volta ao
país, com o sentimento de vergonha e um profundo desejo de recomeçar, Reis
encontrou um colega de pensão que sugeriu a mudança de identidade.
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"Ainda
desnorteado e sem encontrar saída para seu drama existencial, aceitou a
ideia", descreve o laudo.
A nova identidade, que
fazia referência a personagens da literatura inglesa, representou para ele um
alívio psicológico.
"Queria
morrer e renascer outra pessoa. Tinha vergonha de sua história e de seu
nome", disse o juiz ao psiquiatra.
Após a mudança, o magistrado
começou a usar o nome Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield
e relatou que sua autoestima melhorou, permitindo que sua vida profissional
"engrenasse".
Uso
de identidade falsa por mais de 40 anos
José Eduardo Franco dos
Reis viveu com essa identidade falsa por mais de 40 anos, assinando decisões
judiciais e documentos públicos.
A descoberta veio em outubro de 2024, quando o juiz
tentou renovar seu RG no Poupatempo, em São Paulo. Durante o processo de
emissão, as impressões digitais revelaram que Edward e José Eduardo eram, na
verdade, a mesma pessoa.
A defesa alega que o
magistrado não agiu para prejudicar ninguém e que sua motivação foi
exclusivamente pessoal e psicológica.
"O Peticionário,
movido por uma questão existencial e familiar, sentiu-se compelido a mudar a
sua identidade e recomeçar uma vida nova, mas não o fez com o fim de prejudicar
direito ou criar qualquer obrigação jurídica", justificam os advogados
Alberto Toron e Renato Marques Martins.
O
que diz a defesa
Os advogados sustentam que
o juiz "não agiu com dolo" (intenção de causar dano) e que a criação
do novo nome nunca teve potencial lesivo.
A defesa pediu que a
Justiça considere um Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), considerando a
ausência de prejuízo a terceiros e o fato de o magistrado nunca ter usado a
identidade para obter vantagens indevidas.
Testemunhas
de defesa
Na resposta à acusação, a
defesa também apresentou uma lista de seis testemunhas, entre elas cinco
desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Justiça
investiga uso de documentos falsos
A denúncia contra Reis
inclui acusações de uso de documento falso e falsidade ideológica. Em três
episódios recentes — já que os mais antigos prescreveram —, o juiz utilizou o
nome falso para tentar renovar o RG, registrar um carro e obter uma carteira de
motorista.
A defesa afirma que a
tentativa de renovação do RG não foi concluída, pois o sistema detectou a
duplicidade das impressões digitais.
Sobre os outros episódios,
os advogados argumentam que a denúncia não possui "potencialidade
lesiva", já que não houve uso da documentação para cometer crimes ou obter
vantagens.
Pedido de avaliação psicológica
"Não há necessidade
de uso de medicações psicotrópicas, nem há risco para si mesmo ou para
terceiros", concluiu o médico psiquiatra.
A Justiça de São Paulo
ainda não se manifestou sobre a instauração do incidente de insanidade mental
ou sobre o pedido de acordo para evitar a persecução penal.

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