sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

SOBRE GRAMASSEXUALIDADE

Houve um tempo em que os seres humanos se classificavam em heterossexuais (que preferem parceiros do sexo oposto - exceto no Carnaval, porque ninguém é de ferro) e homossexuais (que preferem parceiros do mesmo sexo, ou, pelo menos, de um sexo parecido).
Aí veio o Big Bang e as coisas começaram a ficar um pouco mais complexas.
Foi criada a categoria dos bissexuais (equivalentes, na cama, aos anfíbios, agnósticos e isentões) e, mais recentemente, a dos metrossexuais (heterossexuais masculinos que fazem unha, tiram sobrancelha, usam hidratante, depilam peito, malham glúteo, desenham a barba e fingem gostar de mulher).
Isso também é passado. O que bomba agora nos aplicativos de paquera é o sapiossexual - pessoa que é atraída pela inteligência, não por apetrechos anatômicos.
Faz sentido, porque quem faz sexo com corpo é necrófilo.
As grandes cortesãs (de Madame de Pompadour à Marquesa de Santos) não eram necessariamente belas, mas cultas, espirituosas, versadas nas artes da conversação e da massagem erótica do ego.
A inteligência sempre foi o maior afrodisíaco. Sem ela, não há barriga chapada que dê jeito.
Se ainda não inventaram, passou da hora de inventar outra subcategoria: a dos gramassexuais.
Sabe aquele tipo de pessoa cujos tímpanos se enternecem quando alguém diz "se eu o vir", e não "se eu ver ele"?
Que usa o subjuntivo – e pressente a alma gêmea em quem saiba o que é o subjuntivo?
Que, apesar de não ser pudico, aprecia gestos gratuitos, sem necessidade de subsídios, num relacionamento fluido rumo à felicidade inexorável – desde que seja com quem pronuncie corretamente pudico, gratuito, subsídio, fluido e inexorável?
Esse cara sou eu.
Os gramassexuais, como toda minoria, sentimo-nos incompreendidos. Sofremos bullying (somos chamados de pedantes gramaticais, intolerantes, antissociais), e sequer a esquerda progressista e lacradora se engajou na luta contra a gramassexualifobia (muito ao contrário: ela nos considera elitistas).
Não se trata de uma atração propriamente sexual - mas quase.
Perpassa todos os sentidos, acelera os batimentos, dá vontade de fazer render a conversa, pedir mais um café – e deixar esfriar -, pedir mais um chope - e deixar esquentar.
As preliminares, para um gramassexual, começam nas concordâncias nominais, ganham fôlego nas verbais e atingem o ponto culminante nas regências.
As unhas, invariavelmente, se cravam na pessoa quando o verbo “haver”, no sentido de existir”, é utilizado como se deve - invariável, impessoal.
Pressente-se que falta pouco para o ápice quando os vocativos dão lugar às onomatopeias.
E o clímax chega, arrebatador, quando o/a/x interlocutor/a/x espicha sutilmente o “a”, indicando –ao falar! – que está à beira de uma crase.
Mas, como em tudo na vida, uma tênue linha separa a gramassexualidade saudável da narcísica, a sedutora da patológica, e há que cuidar para não errar a mão
Mesóclise, jamais.
É brochante.
Eduardo Affonso

Um comentário:

  1. Parabéns Eduardo.Lembrei da peça "UM CASO DE LÍNGUA" com Urias Lima...saudades. Prêmio em 2009 melhor ator, tive o prazer de dirigi-lo.

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