quarta-feira, 21 de março de 2018

EU E BAUDELAIRE

PAULO MARTINS


Resultado de imagem para RETRATO DE BAUDELAIRE   Neste domingo, estava lendo um ensaio de Walter Benjamim sobre Baudelaire quando me deparei com seu estudo do famoso soneto A UNE PASSANTE, que o grande mestre da poesia francesa publicou no LES FLEURS DU MAL Quando concluí, fiquei abismado. Muitos anos atrás eu havia escrito um soneto sobre praticamente o mesmo tema de Baudelaire, com o título de SONETO DA MULHER INAPREENSÍVEL Desencavei o maldito e o posto aqui, não a título de comparação, pois o meu é tão inferior que eu deveria, isto sim, destruí-lo. Mas posto porque achei curioso este plágio involuntário, inconsciente e subliminar de um tema, fenômeno já estudado por Manuel Bandeira e Mário de Andrade. Para que se possa compreendê-lo melhor posto também o soneto de Baudelaire, no original e na perfeita tradução de Ivan Junqueira. Declaro, de antemão, que quando escrevi meu soneto jamais me passou pela cabeça os versos de Baudelaire. É bom lembrar que o fenômeno não é novo. Podemos encontrá-lo em Garota de Ipanema de Vinicius de Moraes e em As Vitrines de Chico Buartque.

A UNE PASSANTE
La rue assourdissante autour de moi hurlait,
Longue, mince, en grand deuil, douleur majestueuse,
Une femme passa, d’une main fastueuse
Soulevant, balançant le feston et l’ourlet;
Agile et noble, avec sa jambe de statue,
Moi, je buvais, crispé comme un extravagant,
Dans son oeil, ciel livide où germe l’ouragan,
La douceur qui fascine et le plaisir qui tue.
Un éclair... puis la nuit! Fugitive beauté
Dont le regard m’a fait soudainement renaître
Ne te verrai-je plus que dans l’éternité?
Ailleurs, bien loin d’ici trop tard! jamais peut-être!
Car j’ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,
Ò toi que j’eusse aimée, ò toi que le savais!

A UMA PASSANTE
A rua em torno era um frenético alarido.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão suntuosa
Erguendo e sacudindo a barra do vestido;
Pernas de estátua, era a imagem nobre e fina
Qual bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia
No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,
A doçura que envolve e o prazer que assassina.
Que luz... ed a noite após! Efêmera beldade
Cujos olhos ma fazem nascer outra vez,
Não mais hei de te ver senão na eternidade?
Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!
Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,
Tu que eu teria amado, ò tu que bem o viste!



SONETO DA MULHER INAPREENSÍVEL

Seu mascarado rosto de menina
Nunca se curva. Ereta, vai e vem
Com um ar de deusa desfolhando o além
E um vítreo olhar de esfinge que alucina.
Passa e jamais me vê, não vê ninguém
Com seu andar de esnobe bailarina.
Tem um quê de nobreza, de divina
Beleza, de altivez... e de desdém.
Reina sobre cadáveres de amores
Sobre escombros de sonhos e de dores
No tresloucado apelo da paixão.
E é tamanho o poder de sua imagem
Que deixa um rastro cruento na passagem,
E a amargura do fel no coração.

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