domingo, 27 de outubro de 2024

MONARQUIA ABSOLUTA

 

 
        Vivemos uma curiosa época. A divulgação é mais importante que o fato. Exemplo. Uma “famosa” troca de parceiro, o que, a rigor, não tem a mínima importância para você e ainda menos para mim  . As redes sociais conseguem que tão insignificante notícia seja veiculada e lida por centenas de milhares de seguidores (sic). O informador virou peça fundamental do quotidiano. Quando se trata da televisão, o patamar chega a nível quase divino.

Anos atrás, minha casa acabava de ser contemplada com o título de Casa-Museu pelo Ministério da Cultura. Uma falsa loura que animava um programa de decoração de interiores me telefona.

“Dimitri! Vi sua casa na Casa Vogue! É linda! Maravilhosa! Vamos fazer um programa especial? ” Disfarçando minha ironia, respondi: ”Sim! Claro, querida! Mas me diga: quanto vão me pagar para filmar minha casa? ”... Silêncio... “Mas pagar? Como assim? ” conseguiu articular a moça. “Mas evidente. Afinal esta casa é fruto de anos de trabalho meu.  Quanto vocês ganham com os intervalos comerciais? Nada é de graça nos canais comerciais. Então, é normal que eu também receba parte da grana”. A falsa loira desligou quase chorando.

Outra vez, outra voz, outro canal. Outra falsa loira. “Oi!... Dimitri? Daqui é Fulana. Com certeza deve assistir a meu programa. Soube de seu concurso de cafezinhos. Você faz um trabalho fantástico com estes maravilhosos carrinhos! Que fantástico! Puxa! Que iniciativa legal, genial! Venha cá... Daria para você reunir uns vinte vendedores, com os carros mais bonitos, claro, na Praça da Piedade, na próxima quinta-feira ás 13h00? ” Já estou sentindo se aproximar a curtição de debochar da famosa. ”Sim, claro que posso. Mas vai ter um custo, porque terei que fazer uma seleção, correr à procura dos escolhidos. Vai ser trabalho para mim. Para eles, trabalho de graça, mas para seu canal, claro que não. Eles vão ter que deixar de vender os cafezinhos, portanto também terão que receber um pró-labore.”. A famosa se engasgando, lá em São Paulo. “Mas não temos verba para isso! ”. Tive que repetir o mesmo discurso que para o programa de decoração. Para televisões comerciais, não trabalho de graça, de jeito nenhum.

Aquela jornalista era morena, jovem e bonita, mas, a serviço da Globo, “se achando”. No meio do concurso de carros de cafezinhos, nas traseiras do Mercado Modelo, se permitiu obrigar um concorrente a sair da fila para entrevistà-lo, sem pedir licença aos organizadores.

Sou de pavio curto. Rodei a baiana, perguntando com que direito interferia no meu trabalho, lembrando que o fato é sempre mais importante que sua divulgação. A moça espumava de raiva, representando naquele momento, só faltando a tiara, a Monarquia Absoluta New Age.

E como sou democrata de raiz...

 Dimitri Ganzelevitch

A Tarde, 26 de outubro 2024

 

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