domingo, 12 de novembro de 2017

JESUS E O ESTÚPIDO FANATISMO

Ordep Jose Trindade Serra

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Segundo o consenso atual de biblistas de toda casta - teólogos judeus e cristãos, historiadores, filólogos et caeteri - o Gênesis, primeiro livro do Pentatêuco e da bíblia, vem a ser uma obra compósita: combina num mesmo corpo textos distintos, é produto de diversas "mãos". 

Fala da criação do homem no Capítulo I, 26-7, trecho que tem suscitado infindáveis comentários, ao longo dos séculos. Nessa passagem, Deus é chamado de Elohim, um nome plural. Por dar este nome à divindade, o autor desconhecido é identificado como o eloísta, por oposição ao javista, que se refere a Deus dando-lhe o nome de Javé. (Reconhecem-se também no Gênesis textos da fonte chamada "sacerdotal" e da "deuteronomista"). O trecho em questão tem provocado ao longo de séculos diferentes interpretações. 

Muitos teólogos entendem que Elohim vem a ser um plural majestático. Mas no trecho parece-me claro que a divindade dialoga consigo mesma, quando diz (Gn I,26): "Façamos o ser humano a nossa imagem e semelhança". Mais adiante, o redator especifica (Gn I,27): "Elohim criou o ser humano a sua imagem e semelhança: à imagem de Deus (Elohim) o criou, macho e fêmea o criou". 

Acompanhando muitos intérpretes - teólogos inclusive - estou convencido de que Elohim se mostra, no trecho, como uma divindade ambigênere, ou seja, uma divindade que reúne em si o masculino e feminino, um Deus masculino e feminino ao mesmo tempo (a exemplo de nosso Orixalá). Se o desconhecido eloísta vivesse no Brasil de hoje, não escaparia de injúrias e condenações, insultos, ataques de toda a espécie. Talvez o quisessem até exorcisar, de bíblia na mão. Com certeza o censurariam.
 Está na moda. 

Mesmo agentes do estado que deveria ser laico por vezes tomam para si o triste papel de inquisidores. E tudo fazem para calar os que consideram hereges. Arvoram-se a decidir questões de teologia, usando o poder conferido por um estado supostamente laico. Há pouco assisti uma peça de teatro intitulada "O Evangelho segundo Jesus, Rainha do Céu". Um dia depois sua encenação foi proibida por ordem judicial. 
A peça não me escandalizou. 

Encerra uma interpretação teológica da figura de Jesus que é relida em feminino, mostrada como uma mulher transsexual. Tem um tonus religioso. Por certo, nos tristes tempos da Inquisição sua autora e sua intérprete se arriscariam a ser queimadas como hereges; mas essa violência inumana apenas traduziria a intolerância, a barbárie e a estupidez de uma instituição que impunha sua doutrina a ferro e fogo, não admitia divergência, bania o pensamento com sua brutalidade. 

Hoje nenhum teólogo sério no mundo cristão admitirá que isso está certo, nem aceitará que visões religiosas diferentes da sua devam ser proibidas de manifestar-se. O drama em apreço, com sua metáfora ousada, encerra uma tese que pode, sim, ter lugar no horizonte da Cristologia. Traduzida em termos secos, essa tese postula que o Cristo acolhe em si todos os gêneros humanos, mesmo os excluídos pela hipocrisia de pseudo-moralistas. 

O máximo que faria um teólogo sério confrontado com esta tese seria discuti-la. Mas nenhum religioso autêntico, isento de estúpido fanatismo, admitirá censura a uma interpretação religiosa diferente da sua da divindade que adora. Quem admite a intervenção do estado para garantir sua ortodoxia, subordina-se a um arbítrio estranho, obscuro, que desmoraliza sua fé.

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