sexta-feira, 6 de abril de 2018

SOBRE A DESTRUIÇÃO DO RIO VERMELHO

(DAS SUAS ÁGUAS, EM ESPECIAL)
Antonio Risério

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A destruição dos rios de Salvador, em vez de retroceder, avança. Veja-se o caso do Rio Vermelho. Outro dia, vimos que é justamente a estação governamental encarregada de cuidar das águas que, escandalosamente, despeja esgoto sem tratamento no Lucaia e, logo, na praia. Agora, circula a notícia de que há licitação para implantação de BRT que vai atingir a calha do mesmo Lucaia, com a construção de viadutos sobre as avenidas Juracy e Antonio Carlos Magalhães.
Não só a escolha do BRT é lamentável. O grave mesmo é que vamos na contramão do que vai pelo mundo onde a consciência e a sensibilidade ambientais se enraízam e se enramam sempre mais, em profundidade e extensão. Nossos governantes querem construir elevados no momento em que eles são combatidos nos países democrática e ecologicamente mais avançados do planeta. E prosseguem na predação das águas urbanas quando o que se discute, se planeja e se executa hoje, em muitas das maiores e principais cidades do mundo, dos Estados Unidos à Coreia do Sul, passando pelos países da União Europeia, são trabalhos de recuperação dos rios e sua reintegração na vida urbana, como elementos fundamentais e preciosos da qualidade de vida.
Não tenho conhecimento direto do projeto executivo da obra. Pergunto a meu amigo Vital Péricles e ele responde: “Na verdade, esta é uma suposição lógica, baseada no fato de que o projeto prevê viadutos sobre os canteiros centrais das duas avenidas. Seria muito difícil evitar que as fundações de sustentação da estrutura não atingisse a calha do Lucaia, comprometendo ainda o sistema de drenagem de águas pluviais e, adicionalmente, eliminando grande parte das árvores de grande porte, muitas delas centenárias. Tenho uma vaga esperança de que as críticas formuladas em relação ao projeto, possam servir para eventuais ajustes, de forma a minimizar alguns dos impactos negativos”.

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Bem: também insisto em ter alguma esperança, mas acho isso cada vez mais difícil. Não é de hoje que ação predatória de governos estaduais e municipais atingem duramente o Rio Vermelho, tanto no plano da bacia hidrográfica, quanto com relação ao mar e à cobertura vegetal do bairro (arrasada da década de 1970 para cá, com prédios e asfalto, asfalto e prédios). A destruição das águas urbanas do Rio Vermelho não vem de hoje. Basta lembrar que, na década de 1970, desviaram do bairro o Rio Camarajipe, que desembocava no Largo da Mariquita. O Lucaia era afluente dele. Foi canalizado, virou esgoto a céu aberto. Mas era um lugar esteticamente apreciável, espaço de lazer e pesca. Existem até fotos de muheres mariscando no seu leito. Hoje, ninguém chega perto de suas águas apodrecidas. E agora a administração da cidade, em vez de partir para recuperar o rio, resolve levar ainda mais adiante a destruição.
E o mar? Logo na abertura de seu livro “Rio Vermelho”, Ubaldo Marques, historiador local, registra: “Foi na Pedra da Concha, um rochedo da praia da Mariquita, que os índios encontraram Diogo Álvares Corrêa, o célebre Caramuru de todos os livros de História do Brasil. Em 1972, por ocasião da construção de um emissário submarino, esta praia – um importante monumento histórico-natural do país – foi inteiramente aterrada, num total de 20 mil m2”. Foi assim que liquidaram a bela enseada da Mariquita. E o mar se vingou. Ainda Ubaldo Marques: com o aterramento, as correntes marítimas sofreram alterações e o mar liquidou a antiga Praia do Forte, “retirando-lhes toda a camada de areia, deixando somente pedras”. E a praia, antes frequentada pela juventude do bairro, hoje não existe. Não é só. O ponto onde o emissário despeja seus horrores virou um pesqueiro, ao qual os pescadores locais chamam “manilha”. Peixes que pescam aí, quando são tratados, revelam coisas absurdas dentro deles, de camondongos a preservativos.
Salvador, hoje, tem um governo estadual e uma prefeitura voltados, ambos, para desenvolver ações predatórias contra a natureza. Anos atrás, no livro “O Caminho das Águas em Salvador” (organizado por Elisabete Santos, Gomes de Pinho,, Santos Moraes e Tânia Fischer), encontrei uma advertência que, a cada dia que passa, é mais cruelmente verdadeira: “A Cidade do Salvador, entrecortada e circundada pelas águas, com abundância de água em seu subsolo e com elevado índice pluviométrico, está se tornando árida”. Em poucas palavras, estamos assistindo à destruição da cidade. E sem dar muita bola para isso.

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