sábado, 11 de agosto de 2018

EU LOUCO... QUE ABSURDO!

José Coelho

Foto de José Coelho.

Desde a Idade Média que fui considerado louco, me viam como um erro, diziam que eu era a representação de uma falha da razão. Com a chegada da Idade Moderna, onde se exaltava essa dita razão, eu louco virei um sinal de contradição, uma ameaça ao ideal de racionalidade, deixando de ser um problema da sociedade e sendo considerado um problema exclusivamente do domínio científico. Um discurso que me legitimava como doente, como um criminoso perigoso e contagioso, uma suposta ameaça a tranquilidade da sociedade. Fiquei nas mãos do saber médico, enfrentando as internações como instrumento de poderes institucionais daquela época, que estabeleciam a fronteira entre a racionalidade e a loucura, sem saberem o que estavam fazendo. Internações essas que fizeram surgir o fenômeno da exclusão, com construções de hospícios com fins terapêuticos e penitenciários. Assim virei louco prisioneiro, ou prisioneiro louco. Tudo isso começou no final da Idade Média quando deram uma função aos leprosários, que não recebiam mais doentes e habitaram esse espaço físico com a loucura. Vocês nem podem imaginar o que passei nesse tempo, onde o louco ainda não era propriedade da medicina. Aplicaram em mim todos os métodos de punição sem nenhuma preocupação de estarem utilizando medidas científicas. As vezes colocavam a mim e outros loucos em embarcações chamadas de Stultifera Navis (A nau dos loucos ou nau dos insensatos), para que navegacemos até a Narragônia, uma ilha onde se acreditavam que alí estariam reunidos todos os vícios. Atitude desumana, viagem sem retorno, não estavam preocupados com a perturbação da mente do louco, a preocupação maior era o que esses loucos poderiam causar com seu modo de agir. A Psiquiatria, como a última das especialidades médicas a se tornar científica, tomou as rédias da loucura, prometendo através de formas de asilamento, uma possível cura. Eu era tratado como um animal, vivia isolado para não promover nenhuma desordem e ainda acreditavam que estavam me libertando de influências pessoais. Diziam que estavam promovendo a minha segurança, impondo-me novos hábitos intelectuais e morais através de um rígido regime médico, abrindo assim um belo mercado de dementes. Como vocês podem ver, eu tinha uma existência errante, era prisioneiro da mais livre das estradas que me levava ao desatino. Ninguém nunca quis saber das minhas decepções excessivas, principalmente aquela que a vida me enganou quando descobri a fatalidade da morte, não tive outra saída a não ser a demência. Cervantes nos mostra isso com seus delírios e Shakespeare com suas paixões demasiadas. A ilusão da loucura é uma cortina de fumaça que ofusca a razão, transformando o louco num rei coberto de ouro dentro de um corpo de cristal. A loucura é o método mais perverso que temos para evitarmos o sofrimento. Mas uma coisa é certa, ninguém sabe que a loucura tem o seu próprio saber, conhecimentos além da razão que revela a verdadeira natureza do próprio homem.
Salvador, 11 de agosto de 2018

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