Tendo viajado por alguns países, vi na
porta de suas casas bandeiras nacionais. Andei pelo interior da Áustria e vi
isso. Estive na zona rural da Suíça, onde também percebi o orgulho estampado em
cada uma de duas casas de campo, por onde passava. Esse hábito em que o cidadão
demonstra o contentamento de viver em seus países pode ser visto no Canadá e
muito nos EUA também, mas por aqui, no Brasil, nunca vi bandeiras nacionais
penduradas em mastros nas residências. Não até agora.
Nesses países e em muitos outros de
notável desenvolvimento humano, os cidadãos lutam pela melhoria e
desenvolvimento da coisa pública, como se lutassem por assuntos pessoais pois,
em última análise, são mesmo.
Não
se pode viabilizar uma existência comum em meio a um contexto corrupto
sistêmico porque, a quebra das regras gerais de conduta, cria uma deturpação do
verdadeiro conceito de cultura; para que se passe a entendê-la como também
aplicável a um país, no qual a perpetuação da apropriação do bem comum, por muitos
anos, teve, lenientemente, o endosso da população. Isso ao reiteradamente votar
em políticos envolvidos em escândalos e suas conexões espúrias com conceituadas
empresas, que se tornaram impérios nacionais, em grande monta, à custa do
desvio da coisa pública.
Assim, penso que se pode lutar contra a
pseudo cultura do “rouba mas faz”, ou do “gosto de levar vantagem em tudo”, por
muito tempo arraigada à Nação Brasileira. Não se constrói com ferragens
enferrujadas ! O prédio de aparência sólida um dia desaba. De um erro nunca se
terá um acerto. Apenas o combate à má conduta, à pilhagem, pode conduzir a
ações meritórias e de base concreta, para construção de uma sociedade admirada.
“Aquele que não conhece seu passado, está
condenado a repeti-lo”, frase de George Santayana, poeta e filósofo espanhol.
Não saber que toda relação corrupta não frutifica e que toda relação corrupta
tende a se espraiar, lentamente, em todos os extratratos da sociedade; tal como
o conceito de cultura às avessas a que me referi; conduzirá a permanente ideia
de que, quem age com desvios, progride, enriquece e embora apenas um escroque,
será sempre respeitado. Essa cultura impactará no incremento coletivo da
pobreza, do analfabetismo, da falta de saúde e da violência. Ao fim, esses atos
delitivos individuais repercutirão na coletividade e inviabilizarão a vida no
País, onde não há bandeiras hasteadas em suas casas.
É preciso que uma nação tenha memória. O
passado ensina. Se aprende com os erros, é certo. Perceba-se a seguinte experiência
americana: em 1863 foi editada uma lei, a chamada “ The false claims act”, pelo
Presidente Abraham Lincoln, com base numa norma editada na Idade Média,
Inglaterra, pelo Rei Edward II. O Presidente americano, através dessa
legislação, visou combater a falsa qualidade dos armamentos usados na Guerra
Civil, bem como o superfaturamento desses materiais. Resumidamente, o objetivo
da lei foi traduzido em: “Qui tam pro domino rege quam pro se ipso in
hac parte sequitur”, em latim, ou “ Who
sues on behalf of the King as well as himself”, em tradução livre do inglês:
“ aquele que demanda em nome do Rei como se fosse em seu próprio nome”. Pois
bem, qualquer pessoa poderia propor uma ação para apurar atos de corrupção
envolvendo órgãos, ou entidades federais e seria recompensado com um percentual
do que fosse recuperado. Se houvesse, no curso do processo, a participação e
ingresso da Procuradoria de Justiça, o êxito seria maior e menor os custos do
particular na ação, tendo a referida lei diminuído, nesta circunstância, o
percentual de ganho do resultado da demanda.
De
toda a forma, o Governo dos Estados Unidos arrecadou bilhões de dólares em
verbas públicas desviadas e entregou parte deste montante a pessoas que
descobriram crimes cometidos contra a União, processaram, promoveram a punição
e a recuperação de ativos. Conforme
dados colhidos no site do Departamento de Justiça Americano, essas ações tem
exercido um papel fundamental na salvaguarda do dinheiro do contribuinte e na
redução do débito nacional. Desde 1986 o reforço da “False Claims Act” ajudou
na recuperação de mais de vinte e sete bilhões em tributos desviados. A
legislação promulgada pelo Presidente Lincoln, durante uma imensa crise
nacional, foi um mecanismo eficiente no combate à corrupção americana.
Desta maneira, aproveitando a experiência alienígena,
proponho projeto que reforme a Lei de Ação Popular ( Lei 4.717/65), para que
conste um percentual do que for recuperado em fraudes perpetradas contra a
União, em ações propostas pelo cidadão, em seu próprio benefício. De acordo com
o texto atual, o Ministério Público possui uma atuação definida como fiscal da
aplicação da lei e pode assumir a titularidade da causa, acaso haja a desistência
do autor ou abandono de processo. Entretanto, se a atuação indispensável do
Ministério Público depende da iniciativa do cidadão, como único legitimado a
propor a demanda, ocorre que poucos querem tomar essa medida. De fato, não há
popularidade na Ação Popular, porque ao autor que vence o litígio, somente são
restituídos os gastos com o processo e o pagamento dos honorários de advogado, sem
que haja a possibilidade de qualquer proveito econômico decorrente da sua
atuação; porém, se ele perder a demanda, arcará com todas essas despesas,
muitas vezes de grande monta.
Percebo
que, em uma breve análise, a alteração proposta, encarecendo, tão somente, de
alguns pequenos acréscimos ao texto de lei já existente, deve dar novo ânimo às
ações dessa natureza. Ideologicamente, seria a luta de quem pretende ter um
ganho ilícito, ao desviar verbas públicas, contra quem pretende obter um ganho
lícito, ao denunciar e provar esses atos de corrupção, possibilitando a
restituição do alcance. Na prática, um desestímulo a atos egoístas criminosos e
a busca da erradicação do mal que inviabiliza o progresso da Nação.
De qualquer forma, ainda que o desenvolvimento
da cidadania brasileira passe por também incorporar uma exitosa experiência
legislativa, fruto do pragmatismo norte-americano, muito precisa ser feito e medidas
desse quilate não devem ser descartadas; contudo, discutidas e implementadas. Então,
vai ai uma contribuição para que esse seja mais um passo a transformar o
Brasil, hoje o país dos emigrantes, dos desesperançados, dos que vão viver naqueles
lugares onde o povo se orgulha de ter construído uma verdadeira identidade
cultural e, passem também por aqui, a hastear a Bandeira Nacional em suas
residências, para que brilhem sob o sol de um novo tempo.
JOÃO DE MELO CRUZ FILHO
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