quinta-feira, 7 de abril de 2022

SOBRE A VIDA DE BELCHIOR


Belchior faz autoanálise em filme sobre sua vida e obra: 'Eu gostaria de ter uma mensagem precisa, quase profética '

Dia 30 de abril de 2017. Morre aos 70 anos, em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, o cantor, compositor e poeta Antônio Carlos Belchior. Longe dali, no Rio de Janeiro, dois diretores estreantes, Camilo Cavalcanti e Natália Dias, trabalhavam havia mais de um ano no projeto do documentário “Belchior — Apenas um coração selvagem”.
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A intenção dos realizadores era explorar a força da palavra na obra do artista a partir de um depoimento do próprio. Após um período pesquisando sobre Belchior e sua obra, eles iniciavam o processo de ir atrás do recluso ícone da música brasileira nascido em Sobral, no Ceará.

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Dia 30 de abril de 2017. Morre aos 70 anos, em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, o cantor, compositor e poeta Antônio Carlos Belchior. Longe dali, no Rio de Janeiro, dois diretores estreantes, Camilo Cavalcanti e Natália Dias, trabalhavam havia mais de um ano no projeto do documentário “Belchior — Apenas um coração selvagem”.

Apesar da perda, Camilo e Natália decidiram que não havia motivo para interromper o projeto. Diante da impossibilidade de contar com um depoimento do artista, chegaram a cogitar mudar o formato do projeto para uma série documental baseada em entrevistas de terceiros sobre sua obra. O vasto material de arquivo encontrado durante a fase de pesquisa, no entanto, fez com que a premissa original fosse mantida de certa forma: Belchior por Belchior.ade’, documentário ‘Belchior — Apenas um coração selvagem’ é quase todo construído com depoimentos do próprio compositor; mais três filmes sobre ele estão a caminho.

— Fomos entendendo que havia um discurso do Belchior a respeito dele e da persona artística que criou pra ele. Era importante que fosse ele a pessoa a falar de si e falar de sua obra — diz Natália.

“Belchior — Apenas um coração selvagem” tem sua primeira exibição no “É Tudo Verdade — Festival Internacional de Documentários” nesta quinta-feira (7), com sessões presenciais no Rio de Janeiro e em São Paulo, além de sessões on-line.

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No filme, o artista brinca: “Meu nome é Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes. Como vocês estão vendo, um dos maiores nomes da música popular. É aquele nome que, no sertão, você diz que é percorrido a cavalo.” Ao lado do bom humor de Belchior, ele que é dono de uma obra que tem se mostrado sempre presente na cultura brasileira expressa também um comportamento modesto: “Eu creio que a minha música não é uma coisa muito rica ao ponto de me oferecer uma definição artística muito precisa. É uma música muito híbrida, com uma série de muitas influências. Eu gostaria de ter uma mensagem precisa, uma mensagem direta, uma palavra audível, uma coisa quase profética que pudesse atender a esse desejo imenso que as pessoas têm de uma mensagem segura, de uma indicação de caminho. Infelizmente, não tenho essa palavra.”

Outros projetos

Mas parece que a palavra do músico é bem mais segura do que ele imaginava. O doc “Belchior — Apenas um coração selvagem” é somente a primeira de algumas obras do audiovisual em que o artista marca presença. “Pessoal do Ceará — Lado A lado B”, de Nirton Venâncio, é um documentário sobre o movimento da música cearense entre 1969 e 1979, destacando figuras como Belchior, Fagner e Ednardo. O Canal Brasil também trabalha num projeto sobre o cantor, que pode se desdobrar numa série. E o diretor do filme “Narciso em férias” (2020), sobre Caetano Veloso, e da série “O canto livre de Nara Leão”, Renato Terra, está desenvolvendo, ao lado de Marcos Caetano e Leo Caetano, um documentário sobre o clássico disco de Belchior “Alucinação” (1976).

— O disco é uma crônica sobre a geração que tentou amar e mudar as coisas, mas foi capada pelo vil metal e pela brutalidade das ditaduras. O filme “Alucinação” não tem a intenção de ser uma biografia do Belchior ou um documentário sobre os bastidores do disco, quer, sim, ampliar a crônica de Belchior para uma experiência audiovisual — explica Renato.

“Belchior — Apenas um coração selvagem” Foto: Mario Luiz Thompson / Divulgação
“Belchior — Apenas um coração selvagem” Foto: Mario Luiz Thompson / Divulgação

 Por que Belchior tem despertado tanta atenção, de cineastas, músicos e do público em geral? Por que segue tão atual? Camilo Cavalcanti ensaia uma explicação:

— Tem uma coisa que está impressa na obra dele que é uma rebeldia constante, uma necessidade de se reinventar, de sempre desobedecer e nunca reverenciar. E acho isso importante não só para este momento, mas para a vida toda. É uma pessoa que está constantemente falando e debatendo sobre evolução pessoal, sobre liberdade e sobre revolução.

Com estreia prevista para 2023 no canal Curta!, “Belchior — Apenas um coração selvagem” fala mais sobre a essência do artista do que sobre sua vida pessoal.

— Tem uma frase do Belchior em que ele diz que “a pessoa do artista é menos importante que a persona artística”. A obra, que é pra onde estamos olhando, tem este destaque independente das decisões pessoais — diz Camilo Cavalcanti. — Foi uma escolha muito discutida de realmente focar na palavra, na construção da letras e como ele se transforma em diferentes personas artísticas ao longo da vida, e não entrar muito nos porquês das decisões de foro íntimo.

Mesmo evitando detalhes sobre a vida pessoal de Belchior, Camilo e Natália mantiveram um contato próximo com três dos filhos do artista, Camila, Mikael e Vannick Belchior. Recentemente condenada por homicídio, Isabela Belchior não foi contatada pela produção. Segundo Camilo, ela não manteve contato com o pai ao longo da vida e não tem qualquer relacionamento com os irmãos.

Diretor e roteirista de “Loki, Arnaldo Baptista” (2008) e “Cássia Eller” (2014), Paulo Henrique Fontenelle assina o roteiro do documentário ao lado de Camilo. O filme também traz momentos em que o ator Silvero Pereira realiza performances a partir da poesia e da música de Belchior.

— Sempre fui fã — diz Silvero. — Há dois anos venho estudando as músicas dele para uma produção teatral e tenho um show tributo.

Retomada da música

Os diretores tiveram a ideia para o projeto após assistirem a um pocket show da cantora Daíra Saboia, no final de 2015, com a interpretação de “Princesa do meu lugar”, música que Belchior compôs, mas nunca gravou em estúdio. Daíra foi uma de vários artistas a revisitar a obra do cantor cearense nos últimos anos. Em 2019, Emicida lançou a canção “AmarElo”, com a participação de Majur e Pabllo Vittar, em que usa os famosos versos de “Sujeito de sorte”: “Ano passado eu morri / Mas esse ano eu não morro.”

“Belchior — Apenas um coração selvagem” Foto: Divulgação
“Belchior — Apenas um coração selvagem” Foto: Divulgação

 No início da pandemia, a cantora Ana Cañas fez uma live em homenagem a Belchior. O retorno foi tão positivo que acabou gerando o álbum “Ana Cañas canta Belchior”. Ela está em turnê com o projeto e se apresenta dia 22 no Circo Voador, no Rio. A cantora também arrisca uma explicação para a longevidade do sucesso do cantor e compositor:

— Além do coletivo e do social que aborda em suas canções, ele fala muito sobre sexualidade, sobre tesão, sobre o rolê da vida real. Acho que é por isso que as pessoas se identificam tanto com ele. Apesar de ter uma poesia rebuscada, ele nunca perdeu esta conexão com o pé no chão, com a mesa de bar.


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