segunda-feira, 10 de outubro de 2022

A DECADÊNCIA DAS FESTAS POPULARES

 


Quem frequentou a festa da Conceição da Praia nos anos 70-80 não esqueceu o ambiente e as belezas. Umas cinquenta mil ou mais pessoas transitavam alegremente desde a igreja até o Mercado Modelo. Eu costumava beber uma geladinha no Sultão das Matas e jantar de efó na histórica Barraca da Índia. Iniciava-se o ciclo do verão, definindo uma identidade cultural, hoje triste sombra do que já foi. Tenho a erradicação das tradicionais barracas por uma prefeita aculturada como início da decadência. A partir da data em que estruturas de alumínio e coberturas de plástico substituíram uma das expressões mais significativas da cultura popular baiana, as festas iriam gradativamente desaparecer, apagando da memória da cidade, entre outros, tradicionais fazeres de pintores letristas e carpinteiros de bancos e mesas.
Do carnaval que conheci, com índios, crentes, sujos e pierrôs, Morais Moreira embalando os foliões, a decoração das praças e avenidas pelo Juarez Paraíso, nada resta. A Axé Music acabou com meus carnavais. Como as mortalhas acabaram com as fantasias e os abadás com as mortalhas. Questão de idade? Claro!... Mas também questão de qualidade cultural. Nossos administradores “profissionalizaram” as festas. Em outros termos: substituíram toda e qualquer autenticidade pela deusa Rentabilidade. A cor “marrom-cerveja” ocupa, absoluta, os espaços das bandeirolas, das homenagens a famosos carnavalescos, das cortinas de chitão e dos jarros com espada de Ogum. Os canais de televisão estabeleceram uma ditadura de horários, de preferências rítmicas, de bonecas de bumbum polpudo e malhadões tatuados. Pedaços da orla foram transformados em sambódromos, dos quais, aliás, sambas e marchinhas foram excluídos.
Do Santo Antônio de outrora o que restou, além de algumas teimosas trezenas? No largo do meu bairro, nos anos 80-90, havia uma festa da comunidade. Senhoras da paroquia montavam barraquinhas onde eram vendidos licores, bolos diversos, canjicas e amendoins. Aparecia uma quadrilha, corriam as crianças à volta do coreto. Hoje é pagode, cerveja, barulheira e mijo. Quando não alguns tiros.
A Semana Santa é tempo de recolhimento, de contrição para os cristãos. É? Não: Era! Hoje é farra. Na minha rua tem até bloco de carnaval, com fartos decibéis de música brega! As procissões estão agonizando, em boa parte por culpa dos próprios responsáveis que muito contribuem para a descaracterização, chegando até a anular o evento quando um chuvisco ameaça. Poucos moradores assistem desde a janela que não se preocuparam em enfeitar. Os cânticos são de uma mediocridade musical deprimente, empurrando preguiçosamente a marcha de fieis indiferentes.
Para onde foram nossas magias?

Dimitri Ganzelevitch
Salvador, 6 de novembro 2018

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