segunda-feira, 13 de agosto de 2018

ELEGER OU DERRUBAR

FERNANDO GABEIRA

Resultado de imagem para FOTOS DE BOLSONARO E FERNANDO GABEIRA  Em plena campanha, 
não sei se estamos realmente 
escolhendo um presidente 
ou cavando uma crise para 
que ele se afunde, como afundaram
 seus antecessores. O Congresso votou 
uma bomba fiscal e o STF, um aumento que 
vai repercutir nas contas públicas. No calor da luta 
política, os candidatos falam em investir. Mas como, se as despesas 
da máquina do governo vão aumentar?
Tive de explicar a alguns amigos por que tenho uma relação cordial 
com Bolsonaro. Não sabiam que o conheço há duas décadas, e 
convivemos no Congresso durante 16 anos e inúmeras viagens 
Rio-Brasília. Foram 16 anos de divergência no campo dos costumes 
sem que se tenha perdido o diálogo.
Da mesma forma, conheço quase todos os outros candidatos. 
Admiro sua coragem. Nunca estive com o Cabo Daciolo, por 
exemplo, mas o considero uma versão light do russo Iorudivi, 
um louco de Deus.
Ele não usa correntes amarradas no corpo, mas tem as mesmas 
visões de cura. Daciolo afirmou que soube por Deus que a deputada 
Mara Gabrilli iria andar em breve.
São homens e mulheres que se dedicam a uma tarefa muito difícil. 
É possível que alguns não saibam o quanto. E que alguns tenham até 
má intenções.
Considero fundamental que todos possam apresentar suas ideias. 
Na última eleição entrevistei os que estavam fora do debate, porque 
não pontuaram o suficiente nas pesquisas.
Certamente o farei de novo, com a tática de sempre: nem cúmplice 
nem algoz. Tudo o que posso fazer é estender uma corda para que
 escalem a montanha ou se enforquem.
Quanto mais transparência, pelo menos teoricamente, chega-se mais
 facilmente a uma boa escolha. É possível dizer que nem sempre foi
 assim, e nem sempre será. Mas não há outra lógica melhor.
Nunca fui tao moderado, reconheço. Mas uma leitura cautelosa 
destas eleições mostra esquerda fragmentada, direita em ascensão, 
crise econômica. Para quem conheceu outros momentos históricos, 
essa combinação é perigosa.
O sistema político-partidário, do qual participei ao longo de alguns 
anos, está em frangalhos e só se sustenta movido a muito dinheiro 
público. Terminou um período de redemocratização que deixa grande
 número de descrentes na importância da própria democracia.
A primeira preocupação é não jogar fora o bebê com a água de banho
. O processo democrático precisa se aprofundar, mas em novas bases.
De um modo geral, somos muito atentos aos golpes de Estado, mas 
subestimamos as outras formas que ameaçam a democracia através 
de sua erosão cotidiana. A melhor maneira que me ocorre é buscar 
algum consenso na análise de conjuntura. A esquerda comprometeu sua 
influência cultural em vários momentos. O mais grave deles foi a corrupção 
que atingiu sua credibilidade.
Mas, no meu entender, teve peso também aplicar políticas estatais 
que mexem com o cotidiano, sem um consenso majoritário, apenas 
por ter vencido as eleições. Essa suposição de que a minoria 
iluminada precisa conduzir o país em alguns temas da vida produz
 muitos ressentimentos.
O próprio Supremo, ao discutir a questão do aborto, corre o risco de 
decidir pelo Congresso, algo que não acontece em muitos países em 
que o Parlamento funciona. O argumento contrario é de que as coisas
 demoram a acontecer sem uma intervenção da vanguarda. No entanto, 
escolhas feitas por uma elite acumulam resistências que contribuem para 
movimentos contrários com resultados imprevisíveis.
Não tenho a pretensão de ter o segredo para repactuar o diálogo político 
no país. A única formula que conheço é tentar suprimir ofensas e 
se concentrar na troca de ideias.
As ofensas acabam reforçando emocionalmente soluções simples para 
problemas complexos. Ideias geram dúvidas, suscitam revisões — 
enfim, são o melhor veículo para sair dessa maré.
Os debates entre candidatos começaram. Ainda há pouco de linguagem 
egocêntrica, cada um repisando suas teses, sem levar em conta a pergunta. 
A tarefa agora é levá-los à maior clareza possível não só sobre o que vão fazer, 
mas como vão fazer e com que dinheiro, nesse pântano fiscal em que nos metemos.
Precisamos escolher alguém para eleger, e não para derrubar no ano 
seguinte.
Artigo publicado no Globo em 13/08/2018

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