terça-feira, 12 de dezembro de 2023

FEIRA DE ÁGUA DE MENINOS


Na postagem anterior, estivemos visitando a Casa Pia e Colégio de Órfãos São Joaquim. Saímos encantados! Mas, nem tudo são flores! Logo em frente acha-se a Feira de São Joaquim, transferida que foi da Água de Meninos, quando aconteceu o incêndio da mesma em 05 de setembro de 1964.

Nesse ponto nos chega uma dúvida, talvez um impasse. Não deveríamos primeiro falar sobre a Feira de Água de Meninos da qual se originou a atual Feira de São Joaquim? Sem dúvida, para efeito de melhor compreensão dos fatos.

E como estamos nos servindo muitíssimo das imagens do Google Earth para melhor entendimento de tudo, focalizemos os dois espaços a partir do mar, bem como a localização da Casa Pia de São Joaquim em relação aos dois espaços.
Seta amarela à esquerda, indica a Casa Pia. A verde no centro, mostra a atual Feira de São Joaquim – A vermelha indica o espaço da antiga Feira de Água de Meninos.
Espaço onde ficava a Feira de Água de Meninos - Os saveiros são uma referência.
A Feira de Água de Meninos se originou de uma antiga feira móvel que se formava na altura do sétimo armazém das Docas da Bahia. Era chamada Feira do Sete. Os comerciantes sempre reclamavam da mobilidade dessa feira. Achavam que ela deveria ser fixa. Um vacilo aqui, outro acolá, foram ficando, primeiramente em pequeno número para se tornar definitiva quando todos aderiram à inflação. Os poderes constituídos não tiveram força para removê-los. Razões políticas compunham o quadro. Isto teria ocorrido na década de 1930. Ninguém sabe precisar o ano exato.

Sétimo Armazém das Docas -Hoje em frente à Base Baker
 
O local era o melhor possível. De um lado a avenida que ali passava e do outro um magnífico cais que dava ao local uma profundidade de 10 metros. Os saveiros do Recôncavo e das Ilhas que abasteciam Salvador pelos lados de Itapagipe – Porto da Lenha – agora podiam chegar tranquilamente mais próximos da “cidade”. Aquela área tinha sido aterrada para a construção do Porto de Salvador. As praias e os recifes existentes na área tinham ficado em baixo da terra. Estava livre o caminho do mar!

E se instalou a Feira de Água de Meninos sem nenhum ordenamento, sem nenhum princípio higiênico, sem mais nem menos, como é muito comum na Bahia,como num passe de mágica. As autoridades não percebem essas movimentações ou não lhe deram importância. O caso do aterro do Uruguai é o maior exemplo. Deixaram que o povo fizesse como quisesse. Em vez de aproveitar a oportunidade e planejar um bairro organizado, bonito, à beira mar ou beira-enseada, (do que restou dela), deixaram ao Léo e cada um fez o que quis. Hoje é um quebra-cabeça!

Mas, voltemos à “nossa” Feira de Água de Meninos. Foram montando as barracas ou os barracos a bel prazer. Barracos, sim! Muitos dos feirantes passaram a morar no local. Como não havia nenhuma estrutura, as necessidades físicas eram feitas ali mesmo. A “grande feira” exalava um cheiro horrível, mas a população não se importava tanto com isto. Dizia, “fede, mas serve”. “Ali a gente se livra dos espanhóis”. Na época os espanhóis dominavam o comércio de gêneros alimentícios de Salvador e outros “comércios”.

As preferências pela ocupação dos espaços foram contraditórias. Teve feirante que preferiu as proximidades com o mar. Ali aportavam os saveiros. Outros achavam que a proximidade com a avenida era mais proveitosa. Estariam mais perto do consumidor. Sem dúvida quem se deu melhor foram os que pensaram nos clientes e se instalaram nas proximidades da Oscar Pontes. Os saveiristas que tratassem de vir até eles. Era de seu interesse!

Se a Feira do Sete não causava grandes preocupações às obras de ampliação do Porto de Salvador, desde que móvel, isto é, removível a qualquer hora, por outro lado, a Feira de Água de Meninos com sua extensão e ares de “definitiva”, se constituía num gravíssimo problema. Ela se enraizava no gosto popular. Já tinha vereador se elegendo com os votos dos feirantes. Já se tornara um problema político. Social já era há muito!

Mas “aquilo” não podia continuar. A Prefeitura começou a negociar com os líderes da feira. Há registros que em 1959 houve um acordo entre as Docas, Prefeitura, Sindicato dos Feirantes e Capitania dos Portos para uma possível transferência da feira para outro local, provavelmente nas proximidades da Enseada de São Joaquim.

O acordo não teve sucesso. Apesar de São Joaquim reunir boas condições, mudança é mudança. É sempre um problema! Uma trabalheira! Os feirantes já estavam na sua, absolutamente acomodados. Pra que mudar? Estavam certos. Faz parte da natureza humana!

Em 1960, novo ataque dos poderes constituídos. “Fica proibida a construção de novas barracas”. O que foi feito, está feito. Agora, parem!

Vale salientar que não havia uma unanimidade por parte da Prefeitura se a Feira de Água de Meninos seria efetivamente transferida para São Joaquim. Havia uma corrente de pensamento em acabar em definitivo com a mesma. Temia-se sua transferência para o São Joaquim, bem em frente à igreja do mesmo nome, tombada, histórica, de frente para o mar.

Registre-se ainda um fato histórico envolvendo o presidente da Companhia das Docas, Sr. George Humbert e o prefeito Heitor Dias.

O primeiro queria a transferência da Feira de Água de Meninos para o São Joaquim. Chegou a enviar um ofício à Prefeitura.

Energicamente, o prefeito retrucou dizendo “que se as barracas forem instaladas em São Joaquim não hesitaria em demoli-las”.

Mas ai chegou a providência divina. Em noite estrelada, Lua Cheia, um sábado. Movimento encerrado, dia 5 de setembro de 1964, a Feira de Água de Meninos, inspiradora de filmes, romances, contos e músicas era consumida por grandes línguas de fogo que se projetava da terra de forma misteriosa, apesar de sabido que, na área aterrada, onde se encontrava a feira, passavam tubulações de combustíveis de empresas americanas como a Esso, Texaco e Shell, ligando seus gigantescos tanques de gasolina.

Alguém afirmou laconicamente: “a lua estava cheia, porque estava sendo iluminada aqui de baixo pelas chamas de Água de Meninos”. As labaredas alcançavam a altura da Igreja de Santo Antônio além do Carmo, no alto da colina. De todos os cantos da cidade, da própria Ilha de Itaparica, o incêndio era visto. Era um espetáculo dantesco e insólito. Vontade dos deuses ou de outras vontades?

Está faltando ainda uma coisa. O porquê da expressão “Água de Meninos”?

Foram feitas pesquisas de todos os lados e nada foi encontrado. Há uma hipótese que agora levantamos de que a referida expressão teria tido origem no fato de que, antes da aterragem da área, existia uma praia denominada Praia da Jequitaia. A referida praia, como todas as outras existentes nas proximidades até Monte Serrat, possuía uma barreira de recifes. Muito provavelmente, essas barreiras formavam bacias tranqüilas nas marés vazias. Uma delas seria a “Agua de Meninos”. Segurança de todos.Pura garantia! Também uma expressão bem baianês. Água de Meninos.

O conhecido costume dos meninos do Barbalho e Santo Antônio descerem para tomarem banho no cais de 10 metros, como acontecia na década de 1940, poderia ter advindo do uso da Praia da Jequitaia para os banhos em suas bacias.

A hipótese de que a expressão "Água de Meninos" teria surgido porque os padres costumavam batizar os meninos na Praia da Jequitaia, não se sustenta. O batismo católico é feito no interior das igrejas. Sempre foi assim!
Eduardo Gantois (?)

COMENTÁRIO DO BLOGUEIRO.- Bem documentado e bem redigido. Só fiquei na dúvida de que era o autor. E não consegui deixar um comentário perguntando se, quando e como as vítimas do incêndio tinham sido indenizadas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário