sábado, 20 de julho de 2024

FELIZ QUEM, COMO ULISSES, FEZ UMA LONGA VIAGEM...

  


Voltei à terra do vatapá, do samba de roda e do Boca do Inferno após três longos meses em países euro-latinos. Paris, sacudida pelos preparativos dos Jogos Olímpicos. Air-France se queixando de perder um bi de euros pela desistência de turistas.  Todos reclamando. Com 87 milhões de visitantes, a capital não precisa de mais nenhum, mas a vaidade dos governantes falou mais alto. Lisboa em festa junina com sua orgia de jacarandás exuberantes. O sol frio da primavera enchera de flores campos, janelas e beiras de ferrovias. Comi churros com chocolate, pasteis de bacalhau e baba au rhum. Bebi vinhos com sabor de frutas e rocha, água mineral de Luís XIV e ginjinhas. Visitei o museu do Prado estranhamente bagunçado por uma curadoria inconsequente e o Museu do Azulejo, paixão sempre renovada.

Ao abrir a mala cheia de lembranças e souvenirs, o que escolheria como prioridade? Hesitarei pouco ao mencionar a cafeteria Alê/Casa Gallega a dois passos de nossa hospedagem e a três do Reina Sofia. Logo na primeira manhã entramos meio desconfiados neste estabelecimento, cenário perfeito na sua banalidade para um filme neorrealista dos anos 50. Um imenso balcão, um banco corrido estofado de vermelho, serviço por demais atarefado para se derreter em amabilidades. Mas o suco de laranja extraído na hora, o pão tostado ainda quente, esfregado com tomate e untado de azeite doce e o café cheiroso nos tornaram fregueses assíduos e agradecidos. De noite, após vasculhar a Gran Via, o Retiro, a Puerta del Sol e a Calle Hermosilla, caíamos exaustos na bancada acolhedora para uns calamares recém fritos e uma última copita, agora adotados pela grande família do Alê, serviçal e vizinhos frequentadores. Deixar Madri não foi fácil, mas perder a cafeteria foi-nos dramático.

Outro rasgo de amor louco foi a poucos metros da Santa Engrácia - aquela mesma que levou três séculos para ser terminada - onde hoje repousam Amália Rodrigues e Sofia de Mello Breyner.

Na rua do Mato Grosso (!) tem uma lojinha. Porta estreita, uma janela, poucos metros quadrados. Um casal cinquentão, sorridente e atento, administra a Mercearia Tivó, algo como nossos antigos Secos e Molhados, onde poderá encontrar o melhor e o mais fresco de toda Lisboa em frutas, legumes e verduras. E não só, já que foi lá que comprei os cinco queijos – vaca, ovelha e cabra - que esta noite levarei à casa do cineasta Bernard Attal para celebrar minha volta ao bairro de Santo Antônio/Salvador City, acompanhado do pintor mexicano Cisco Jimenez que perguntou por que estes queijos não eram mais famosos.

Parafraseando o Joachim du Bellay, amigo de Ronsard e pai da poesia francesa, voltei, rico de emoções e descobertas, a viver entre os meus o melhor desta passagem.

Dimitri Ganzelevitch

A Tarde, sábado 20 de julho 2024

 

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário