quinta-feira, 10 de outubro de 2019

CAFEZINHO NO METRÔ

Metro de Lisboa vai ter mochileiros a vender café quentinho de manhã

A empresa 2East é um autêntico império e no Rock in Rio, no Brasil. Até desenvolveram uma mochila que serve M&Ms.
No Rock in Rio do Rio de Janeiro, no Brasil, todos os dias há mais de 100 mil pessoas a circular pelo recinto que é enorme — desde a edição de 2017 que o festival acontece no Parque Olímpico da cidade. Nos bastidores do evento, o público nem imagina a quantidade de pessoas que trabalham para que tudo corra bem. 
Uma das maiores operações é a da 2East, empresa portuguesa responsável por toda a venda ambulante do Rock in Rio — aqueles vendedores que servem cerveja, água, Coca-Cola, Red Bull e, neste caso, Doritos. Isto tudo sem o público precisar de ir a um bar reabastecer, perder parte de um concerto e provavelmente ter de esperar algum tempo numa fila.
Já tínhamos contado parte da história desta empresa no NOS Alive de há dois anos. Tudo nasceu da cabeça de Bruno Leste, que, em 2000, viu pela primeira vez num jogo de beisebol, numa viagem aos EUA, alguém a servir uma bebida de uma mochila a partir de uma mangueira e diretamente para o copo.
Era Pepsi mas percebeu logo que podia ser tudo aquilo que ele quisesse. Comprou dez exemplares, bastante rudimentares, e passou os quatro anos seguintes a aperfeiçoar a ideia e a própria empresa. Criou a estrutura e o sistema de enchimento — tudo feito em Portugal.
O primeiro grande evento foi o concerto de Phil Collins no Estádio José Alvalade, em julho de 2004. Os anos iniciais não foram fáceis — foi preciso trabalhar e insistir muito para que a sua ideia fosse aceite. Teve até de pedir um financiamento de 30 mil euros ao pai, que no início nem acreditava que a empresa do filho pudesse ter sucesso. 
Hoje o cenário é bem diferente. São os próprios eventos e marcas que contactam a 2East porque querem o seu serviço. Estão presentes em vários países e desde 2011 que têm uma sucursal no Brasil, na cidade de São Paulo, cujo responsável é o sócio de Bruno Leste, João Pedro Fernandes.
João trabalhava numa agência de música e conheceu Bruno porque trabalhavam nos mesmos eventos e festivais. “Ele casou com uma das minhas melhores amigas, por isso a relação ficou muito mais fortalecida”, conta João Pedro Fernandes à NiT.
“Entretanto cansei-me da área da música e fui para uma agência grande em Portugal trabalhar com empresas de bebidas como a Coca-Cola, Sogrape, Central de Cervejas. O Bruno disse-me que estava a pensar ir para o Brasil, e eu disse que ia se fosse como sócio. Começou por ser uma brincadeira de Facebook e quando demos por nós a decisão estava tomada. Viemos para o Brasil em 2011, estive cerca de dois meses em São Paulo e dois meses no Rio só a estudar o mercado.”


João Pedro Fernandes e Bruno Leste no quartel-general.
Acabaram por se fixar em São Paulo, mesmo que atualmente tenham também uma sucursal no Rio de Janeiro. Trabalham em eventos em todos os principais estados do país e fizeram o primeiro Rock in Rio no Brasil em 2013. A tendência tem sido de crescimento de ano para ano, sempre na ordem dos dois dígitos.
Neste Rock in Rio, há mais de 620 mochileiros a circular pelo recinto. É a maior operação de sempre da 2East. As vendas de cerveja que fazem equivalem a cerca de 30 por cento daquilo que o festival vende na sua totalidade — mas essa percentagem chega para vender mais do que qualquer festival em Portugal.
Espalhados pelos bastidores do recinto estão quatro pontos da 2East. Cada um poderia corresponder àquilo que seria necessário para um festival de tamanho médio ou grande em Portugal. Os mochileiros entram, validam o cartão (automaticamente surgindo no computador a respetiva identificação), entregam o dinheiro nas caixas, seguem para o ponto de recolha onde dizem que produto querem (por exemplo, cerveja), a botija antiga é substituída por uma nova e a mochila é fechada. Seguem para a saída, onde voltam a validar o cartão.
“Demora entre dois a três minutos. Quanto mais rápido o mochileiro rodar na nossa tenda, mais tempo ele está no evento a vender. O segredo é criar mecanismos para que a rotação aqui seja rápida.” Funciona quase como uma paragem num circuito de Fórmula 1 — tira-se um tanque vazio da mochila e coloca-se um cheio, o mais rapidamente possível.
No total, com as pessoas que trabalham nas caixas, os técnicos e os funcionários contratados em outsource — recursos humanos, advogados, contabilistas — a operação chega às mil pessoas. Bruno Leste e João Pedro Fernandes estão a supervisionar tudo e a resolver os problemas que vão aparecendo. Apesar de andarem de um lado para o outro, em constante comunicação, trabalham num contentor que serve de quartel-general e onde têm um sistema de vigilância que os permite ver em direto tudo o que está a acontecer em todos os postos de trabalho.
Existe ainda um outro contentor para o controlo financeiro, onde o dinheiro é contado antes de ser reunido e guardado num dos quatro cofres que lá existem. Há uma equipa que passa os dias inteiros a receber notas. “Tentamos fazer isto da forma mais subtil possível. É a parte mais delicada. No dia seguinte, vem a Prosegur com polícia e guarda armada para transportar. É uma operação muito dissimulada, aqui dentro quase ninguém sabe”, explica Bruno Leste.
Apesar de trabalharem com colaboradores locais, seja qual for o país — neste caso o processo de recrutamento começa cinco meses antes do festival — a supervisão fica a cargo da equipa portuguesa. São 20 pessoas que foram de propósito para o Rio de Janeiro durante os dias do Rock in Rio, apesar de a gestão incluir os portugueses que vivem no Brasil.
Por outro lado, aproveitam os especialistas brasileiros na área do gás, refrigeração e das latas (habituados a grandes eventos, como os carnavais) para a operação no festival. Uma cerveja custa cerca de 2,89€. Só há um copo de tamanho único, de 40 centilitros. “No Brasil é ótimo o facto de trabalharem com um copo único, é mais fácil. E aqui as mulheres bebem quase tanto como os homens, portanto vendemos mais. E é um mercado em que as sidras não entram.”
O dia em que mais venderam cerveja foi naquele dedicado ao heavy metal, que teve concertos de Iron Maiden, Scorpions, Slayer, Sepultura ou Anthrax, entre outros. Foram vendidos mais de 42 mil litros de cerveja. No sábado, 5 de outubro, um dia e meio antes de terminar o festival, a estimativa é que vendessem entre 260 e 270 mil litros de cerveja, o que seria um recorde.
“É um bom público, leal, o que mais bebe e que não arranja problemas. E se não tivéssemos tido chuva nos três primeiros dias, tínhamos estado muito perto dos 300 mil litros.”
Além disso, a previsão era que fechassem o Rock in Rio com vendas de 250 mil águas (cada uma a 1,10€), entre 150 e 180 mil refrigerantes (cada um a 1,10€), entre 40 e 45 mil pacotes de batatas Doritos (cada um a 1,33€) e 100 mil latas de Red Bull (cada uma a 2,20€), o que seria um recorde mundial de venda ambulante da marca. A 2East já detêm o anterior recorde, quando no Rock in Rio de 2017 vendeu cerca de 90 mil.
Os vendedores só trabalham à comissão. Recebem cerca de 80 centavos (100 centavos equivale a um real, sendo que um real equivale a 22 cêntimos) por unidade vendida. As comissões variam consoante o tipo de produto que vendem e, tal como a aplicação da Uber, funciona com uma tarifa dinâmica sendo que vão recebendo mais consoante a altura do dia, tendo em conta a lei da oferta e da procura. Quanto mais venderem, mais ganham. Mas a comissão varia entre cinco e 16 por cento.
De acordo com a lei brasileira, a 2East tem de assegurar vales de transporte, alimentação, águas, protetor solar, capa de chuva e uniforme a todos os seus trabalhadores durante o evento. Além disso, existe um valor base reservado para aqueles que quase não conseguirem vender bebidas, mas é algo que muito raramente acontece.



Foi batido o recorde de venda de cerveja ambulante.
As fiscalizações no Brasil são constantes e há mais de 20 órgãos estatais a controlar tudo. “Este é o melhor evento do mundo, mas também é o mais complicado”, admite Bruno Leste. A empresa tem uma plataforma onde conseguem calcular em direto tudo o que já venderam, em que locais do recinto está a correr melhor e é através dela que podem identificar potenciais problemas.
Quando a NiT falou com a 2East, já tinham sido despedidos 15 vendedores — sobretudo por pequenos delitos, como vender capas de chuva à porta do festival ou levar águas para vender dentro do recinto. “É uma média pequena para a dimensão da operação, é bom. Roubaram-nos uma mochila, mas já está tudo identificado pelas câmaras e vai ser resolvido.” A comitiva portuguesa da empresa chega quatro dias antes do festival para fiscalizar a operação, e sai quatro dias depois. No total, apesar de haver muitas vendas a pessoas repetidas, existe um milhão e 215 mil atendimentos, o que é um número astronómico.

A 2East além do Rock in Rio

O Rock in Rio é o maior cliente da 2East. Mas neste momento a empresa continua a expandir-se em vários países e a tentar entrar em novos mercados. Chegaram a Espanha há menos de dois anos e já estão a trabalhar em 46 festivais. A 2East Europa já opera em países como a Bélgica, França ou Suíça. “São países que têm festivais um pouco mais pequenos mas com muito bom consumo. E interessa-nos porque o preço de venda da cerveja é muito mais alto. E há estruturas maiores na Europa que estamos a ver, como é o caso de Inglaterra.” Depois do Estoril, por exemplo, vão trabalhar no Paddle Masters de Londres, no Reino Unido.
“E vamos conseguir chegar rapidamente a mais três ou quatro países. Angola é um país que nos está a chatear muito, Moçambique também, e nos próximos dois anos queremos crescer com mais duas ou três estruturas grandes como esta no Brasil. O mercado nos EUA não está em pausa, mas fomos com o Rock in Rio, estivemos lá dois anos e agora estamos a reatar contactos para arrancar a coisa.”
Em Portugal, pode encontrar os mochileiros no Rock in Rio, NOS Alive, Super Bock Super Rock ou MEO Sudoeste, entre tantos outros eventos, como todos aqueles que acontecem na Altice Arena, que tem uma sede própria da 2East. “Há sempre qualquer coisa para expandir, mas estamos muito bem. O próximo passo é mesmo Espanha e França, ainda está uma coisa muito pequenina, não está nada de outro mundo.”
Bruno Leste tem noção de que a empresa ainda “tem muito potencial”. “Vai chegar a um ponto em que se calhar só vou estar a pensar noutras coisas, como o desenvolvimento de mochilas, por exemplo. Já existe bastante interesse de investidores. Este ano vamos ter um crescimento muito grande a nível mundial e 2020 vai ser um ano para um crescimento mais sustentado.”
O processo de expansão da empresa, como aconteceu nos EUA, tem sido muito à boleia do Rock in Rio. O festival já anunciou que foi assinado um acordo de intenção para realizar uma edição no Chile em 2021, e esse pode ser um novo passo para a 2East. “Sabemos que há países neste momento em que o Rock in Rio está a tentar entrar e iremos sempre atrás deles. Vamos dar-lhes no final do evento um título, um cinto estilo MMA, de maior venda ambulante do mundo de cerveja, Red Bull, cola e água.”

Os produtos

As mochilas são adaptáveis a imensos produtos, sejam líquidos ou sólidos, gaseificados ou não, quentes e frios. E essa é uma das grandes mais-valias do serviço que oferecem. A cerveja tem sido o produto mais vendido, mas também servem refrigerantes e águas em quase todos os eventos em que participam.
Neste momento estão a testar o gin tónico à pressão em iniciativas mais pequenas, como as touradas. É uma parceria com a marca Cicerone, de Vila Viçosa. Um produto que não resultou em Portugal e num festival nos EUA foi a limonada artesanal. “Mas vou dar a volta. Há uma cadeia portuguesa de fast food que está interessada e tem uma grande limonada. E as marcas importam. Se aqui não metesses uma placa da Heineken ou Coca-Cola, não vendias. É mesmo o marketing.”
Por falar em marketing, Bruno Leste está a desenvolver uma mochila que vai lançar o aroma do produto para o ar — de forma a atrair mais clientes. “Vai ser um sistema próprio que a cada três ou quatro minutos lança um vapor que se vai sentir à volta. Cerveja não é um cheiro muito agradável, mas será com café ou cola e por aí fora.”
A maior novidade, revelada em exclusivo à NiT, é que a partir de novembro vão vender café expresso da Delta — com 95 por cento de qualidade — em sete estações do Metro de Lisboa. A venda vai funcionar entre as sete e as 11 horas e o café deverá custar 1€. Cais do Sodré, Entrecampos, Campo Grande e Rossio serão algumas das primeiras estações a receberem este serviço que depois se poderá alargar. A ideia de Bruno Leste é num prazo de três anos fazer o mesmo no metro de Londres.
“O consumo móvel de café nunca existiu, porque é sempre preciso uma ficha elétrica ou fogo, e isto foi algo que lançámos na Web Summit como teste. Neste caso tem um sistema hidráulico, com águas quentes.”
Outra novidade será uma mochila que irá vender M&Ms a granel e que poderá estar disponível em eventos em Portugal já em 2020. “Lançaram-nos esse convite, temos a mochila desenvolvida e é um projeto ibérico. Nós olhamos para as nossas curvas de venda e há uma certa hora, depois de várias bebidas ou drogas ou o que seja, que há um espaço para algo entrar. Um promotor que vende Doritos chega a uma certa hora e tem uma curva descendente. E é nessa parte que pode entrar outro produto para comer. Mas vamos ter novidades em breve para Portugal, e também no próximo Rock in Rio Lisboa.”

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