segunda-feira, 31 de julho de 2023

EU NÃO SOU SEU NEGRO

O MUNDO DA DANÇA

MILTON SANTOS. VIDA E OBRA

 

Exposição lembra vida e obra de Milton Santos

Um dos maiores geógrafos do século 20, professor da USP é tema de mostra em São Paulo

  Publicado: 26/07/2023

Texto: Adrielly Kilryann (estagiária)*

Arte: Simone Gomes

Ocupação Milton Santos, em cartaz no Itaú Cultural - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

“Intelectual público” e “um dos mais destacados pensadores da sua área no nosso País”. 

É o que se lê na entrada da mostra Ocupação Milton Santos, em cartaz no Itaú Cultural, 

em São Paulo, que destaca vida e obra do professor da USP Milton Santos (1926-2001), 

um dos mais destacados geógrafos do século 20.

Destaque no Brasil e no mundo, Milton Santos não se limitou ao ramo da geografia física. 

O intelectual se interessava por tratar da influência da área nas relações humanas. 

Jader Rosa, gerente do Observatório do Itaú Cultural e responsável pela curadoria 

da ocupação, declara que o diferencial de Santos era olhar a geografia com outros olhos. 

“A obra dele foi reconhecida mundialmente justamente por discutir a geografia para 

além desse espaço enquanto território propriamente dito, como relações na sociedade”, 

comenta. 

Para Rosa, é importante trazer os conceitos abordados por Milton Santos sob novos contextos. 

O curador descreve o trabalho do geógrafo como uma “obra viva” e ressalta a sua importância 

através de uma citação do próprio geógrafo: “Tinha uma busca incansável pela verdade, 

mas não que essa verdade fique só comigo: que ela possa ser compartilhada e debatida”.

A pesquisa para o desenvolvimento da exposição durou cerca de um ano e o primeiro passo 

foi conversar com a viúva de Milton Santos, Marie Hélène Tiercelin, que reforçou que 

o marido gostaria de ser lembrado, antes de tudo, como um intelectual. 

Rosa conta que, a partir disso, a equipe de curadoria teve contato com familiares, 

amigos e especialistas na vida e obra do geógrafo. Conversar com essa gama 

de pessoas foi “um jeito de se apropriar e entender o que emerge de conceitos comuns para 

evidenciar na curadoria”, diz Rosa. Para ele, a mostra “tem a característica de atender a diversos 

públicos, de uma forma mais densa, para  consumir o conteúdo e os conceitos trazidos por Milton, 

mas também mais experimental e artística”.

Obra viva

Ao entrar na exposição, localizada no piso térreo do prédio do Itaú Cultural, na Avenida Paulista, o público 

se depara com uma parede na qual são expostas 40 obras originais de Milton Santos. Postas em estruturas 

pivotantes, nos versos é possível ler a ficha técnica e demais informações sobre cada uma. 

O material provém do acervo pessoal da família do geógrafo e do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) 

da USP.

Mais adiante, a voz do próprio Milton Santos chama o público: uma projeção em vídeo mostra 

Santos durante palestra no Encontro Internacional Lugar, Formação Socioespacial, Mundo, r

ealizado na USP em 1994. “Hoje há possibilidade de, no lugar, construir uma história das ações 

que seja diferente do projeto dos atores hegemônicos. É esse o grande papel do lugar na produção 

da história. 

E apontá-lo é a grande tarefa dos geógrafos neste fim de século”, declarou ele na palestra.


“Para Milton Santos, o movimento de transformação sempre vem de baixo para cima. 

Ele traz muito disso como uma provocação sobre as periferias”, comenta o curador Jader Rosa. 

Esse viés é observado em diferentes abordagens propostas por Santos sobre conceitos geográficos 

já existentes e conhecidos.

A globalização, por exemplo, para Milton Santos, divide-se entre três vieses, como explica Rosa: 

“A globalização que nos é vendida, quase como uma fábula; a globalização como é de fato, 

que tem a sua perversidade; e a globalização a qual podemos transformar”. 

As economias urbanas e populares, marcadas pela ideia de múltiplas camadas de periferias 

– segundo a qual, por exemplo, as periferias de São Paulo são diferentes em relação às de outros 

Estados –, também são temas incitados pelo geógrafo.

A vida no exterior

No fundo da sala, acontecimentos marcantes da vida de Milton Santos são relembrados, desde o seu nascimento até sua atuação acadêmica e o período em que ficou exilado por conta do regime militar.

Milton Almeida dos Santos nasceu em 1926 em Brotas de Macaúbas, na Bahia. Filho dos professores primários Adalgisa e Francisco dos Santos, ele se inspirou no tio advogado para cursar Direito na Universidade da Bahia. Em 1949, motivado pelo interesse em geografia e economia política, Santos tornou-se professor dessa disciplina em Ilhéus. Também fez carreira no jornalismo, trabalhando no jornal A Tarde, de Salvador, e na Imprensa Oficial da Bahia.

No meio acadêmico, entre outras realizações, foi professor da Universidade Católica da Bahia, doutorou-se na Universidade de Estrasburgo, na França, e fundou o Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais da Universidade Federal da Bahia (UFBA), além de se tornar presidente da Comissão de Planejamento Econômico, nomeado pelo então governador da Bahia Lomanto Junior.

Em 1964, ano do golpe civil-militar no Brasil, Milton Santos foi preso pelo governo militar. Ficou detido no quartel militar do 19º Batalhão de Caçadores durante seis meses, mas transferido para prisão domiciliar em decorrência de um acidente vascular cerebral. Na época, com a ajuda do reitor da UFBA Miguel Calmon, conseguiu uma vaga para ser professor na Universidade de Toulouse, na França, durante um semestre.  

O que seriam seis meses fora do Brasil perdurou até 1977. Na Ocupação, um objeto ilustra os 13 anos em que ficou exilado, percorrendo diferentes países: a mala-baú usada para transportar objetos pessoais de Milton Santos e Marie Hélène durante suas viagens. Rosa a descreve, de maneira simbólica, como a “casa” do casal, já que representa o período em que a vida dos dois era marcada por constantes mudanças e incertezas.

Após o retorno ao Brasil, a obra de Milton Santos foi influenciada pelas viagens e experiências internacionais ao longo dos 13 anos no exterior. “Ele teve acesso a diversas bibliotecas e países, e também foi se entendendo como uma pessoa do sul global”, explica Jader Rosa.