domingo, 29 de novembro de 2020

DE NELSON MANDELA

 


Depois de me tornar presidente, pedi a alguns membros da minha escolta para ir passear pela cidade. Após o passeio, fomos almoçar num restaurante.

Sentamo-nos num dos mais centrais, e cada um de nós pediu o que lhe apetecia. Depois de um tempo de espera, apareceu o empregado trazendo os nossos menus. Foi aí que eu percebi que na mesa que estava na nossa frente, havia um homem sozinho, a espera de ser atendido.
Quando foi servido, eu disse a um dos meus soldados: Pede aquele senhor que se junte a nós.
O soldado foi e transmitiu-lhe o meu convite. O homem levantou-se, pegou no prato e sentou-se ao meu lado.
Enquanto comia as suas mãos tremiam constantemente e não levantava a cabeça do seu prato. Quando terminamos, ele despediu-se de mim sem olhar, apertei-lhe a mão e partiu.
O soldado comentou:
Madiba, esse homem devia estar muito doente, já que as suas mãos não paravam de tremer enquanto comia.
- Não, não estava doente! A razão dos seus tremores é outra. Eles olharam para mim de forma estranha e eu expliquei-lhes:
- Aquele homem era o guarda da minha cela na prisão onde eu estava; muitas vezes, depois das torturas a que me submetiam, eu gritava e chorava pedindo um pouco de água, ele vinha, humilhava-me, ria-se de mim e em vez de me dar água, urinava na minha cabeça.
Não, ele não estava doente, estava assustado e tremia talvez porque esperava que eu, agora que sou presidente da África do Sul, o mandasse prender e lhe fizesse o mesmo que ele me fez; torturá-lo e humilhá-lo. Mas eu não sou assim, essa conduta não faz parte do meu caráter, nem da minha ética. Mentes que procuram vingança destroem estados, enquanto as que procuram a reconciliação constroem nações."
Nelson Mandela

Fonte: Entrevista ao diário londrino The Observer,
em na sua casa de Cape Town em 2007.

UM DIA NA RAMPA

Um dia na rampa (1955) é filme do tempo da rampa do Mercado Modelo de Salvador Bahia Brasil. O mercado modelo original popular, não o da atual antiga alfândega, presente mercado para turista.


 



O mercado do tempo do filme pegou fogo numa tarde de domingo, no paralelo da hora do futebol do Vitória contra o Bahia: evidências de um crime.
Cenas de Mestre Bugalho displicentemente jogando capoeira na beira do cais, retiradas de Um dia na rampa e inseridas no filme documento do processo público de inventariado da capoeira, constituem imagens decisivas no ganho de causa da capoeira: patrimônio imaterial do Brasil.
Mestre Bugalho em Um dia na rampa é uma aparição fantasmagórica, a concretude de uma realidade espiritual, alma da capoeira.
A imagem de um mandacaru envernizado para cena de filme de Jean Manzon é assombração manifesta.
Tudo é documento – vale o escrito –, mas cinematografia em sua essência lexicográfica pretende-se escrita da luz.
Um dia na rampa ainda em tempo de, no século XXI, anunciar a novidade cinematográfica de 1957: tempos de filmagem/ 1958: tempos de finalização. Mais ou menos por aí.
Um dia na rampa já era documentário de invenção, documentário poético e até documentário sensorial.
É do tempo do moderno. É filme sinfonia, filme de Neorrealismo, filme de Cinema Novo.
Um dia na rampa é dos precursores do Cinema Novo brasileiro.
Diante da máxima afirmativa anterior, é fundamental alardear a importância da compreensão da desnaturalização nos processos ideológicos que levam à memória e ao esquecimento. Memória não existe sem esquecimento e ambas são ações, conveniências, construções, embate contínuo de forças a serviço de poderes que necessitam ora lembrar, ora esquecer.
Quero dizer que, quando alguém diz sobre Um dia na rampa – ah, existe esse filme –, isso não é coisa do tempo. É coisa dos homens.
Somente para evocar mais um dos alardeados jargões culturais da contemporaneidade, declaro: por seu formato de produção, Um dia na rampa já era um coletivo dos artistas: Luiz Paulino dos Santos, Valdemar Lima, Marinaldo da Costa Nunes, David da Costa Nunes, Orlando Alcovia Rêgo, Luiz Ludwig, Genaldo da Costa Nunes e Fausto da Costa Nunes, mais agregados.
E, sem conversa, o filme alinhavava ficção e documentário para fazer um filme de cinema. Interessava era fazer o cinema.
No dizer do próprio Luiz Paulino dos Santos: “é um filme de 10 minutos que é como você pegar uma garrafa com água e despejar o conteúdo. Não precisa de narração, não precisa de texto, e o filme é claro e escorrido assim.”
Filme fluido: fluxo de Um dia na rampa, música das imagens em montagem eisensteiniana, língua de ideogramas, cada dois três planos um haikai baiano, sintonia oriental de Luiz Paulino dos Santos, intuição de quem havia sido estafeta e corrido as ruas todas de Salvador entregando telegramas.
O Brasil não pertence ao Ocidente.
André Sampaio



CASARÃO DOS AZULEJOS

 Casarão dos azulejos -

Praça Cairu, Salvador-Ba.



O casarão dos azulejos da Praça Cairu está sendo restaurado e como tenho ouvido muitas criticas com relação ao restauro dos azulejos, então, resolvi visitar no domingo passado e fiz algumas fotos.
Trata-se de azulejos portugueses do final do século XIX, na técnica de estampilha, técnica semi-industrial que foi muito utilizada para fachadas de edficações.
O casarão em questão, encontrava-se em avançado estado de degradação, a azulejaria quase toda perdida, não me recordo o percentual de perda, e felizmente o restauro está acontecendo e assim não perderemos essa edificação tão importante.


O restauro:
O que pude observar é que houve uma mesclagem dos azulejos novos com os antigos e os novos não foram feitos na técnica de origem. Foi utilizado o azulejo industrial e na técnica de silk pintou-se o padrão do azulejo. Isso resultou em uma diferença de tons na questão do branco, principalmente. O azul também ficou bem mais forte.
Diferença das técnicas:
1. Estampilha - aplica-se o vidrado e com um molde vasado aplica-se com pincel o pigmento solúvel em água. Há um pouco de migração, tornando o branco mais escuro.
2. Silk - aplica-se no azulejo industrial a tinta sobre a tela de silk com espátula de borracha, a tinta é diluída no óleo.


Para mim o ideal seria a técnica de estampilha porque haveria uma aproximação maior do azulejo original. Mas achei que a opção de mesclar o antigo com o novo houve uma quebra nos tons novos. Também achei que os novos estão com uma boa qualidade.
Parabéns
a toda equipe e aos orgãos que estão executando o trabalho e fico feliz pelo casarão está voltando as atividades e enriquecendo a nossa paisagem cultural.
Abaixo estão as imagens que fiz e todos podem perceber o novo com o antigo e ver a diferença de tons. As peças antigas são as mais escuras e podem observar a pincelada do antigo e a espátula de borracha do novo.
Zeila Maria Machado

TORTO-ARRADO

 

TORTO-ARADO ARREBATA O PRÊMIO JABUTI DE ROMANCE 

 

O romance Torto-Arado, do baiano Itamar Vieira Júnior já é conhecido dos portugueses, pois teve a sua primeira edição publicada aqui, ao vencer o Prêmio Leya de Literatura de 2018. 

Agora, após uma edição brasileira pela Editora Todavia, o livro arrebata o mais prestigioso prêmio literário do Brasil, desbancando autores de peso como Chico Buarque de Holanda, considerado favorito com Essa Gente, e Paulo Scott, Maria Valéria Rezende e Adriana Lisboa, também fortes concorrentes. 

O romance tocou fundo a sensibilidade dos leitores pela sua história originalíssima e comovente, passada num cenário marcante da ruralidade brasileira. 

Sobressai-se por sua denúncia contundente de uma realidade que resiste a todas as forças de mudança no país do latifúndio e da servidão rural, que carrega a mácula de jamais ter conseguido resolver a sua injusta, violenta e desumana estrutura fundiária.

Verdadeira alegoria sertaneja, Torto-Arado começa com um episódio insólito. Duas irmãs pré-adolescentes, moradoras na roça, disputam inocentemente uma faca e se ferem na língua. 

Socorridas em um hospital da cidade mais próxima, têm as feridas suturadas. Belonísia, a mais nova, recebe curativos e antibióticos,  conseguindo uma rápida recuperação, enquanto que Bibiana, um ano mais velha, não tem a mesma sorte: com a língua decepada e a impossibilidade de um reimplante, ficará sem este órgão pelo resto da vida; perderá a fala e conviverá com sérias dificuldades de deglutir.

Com empunhadura de marfim e uma lâmina afiada como uma navalha, a faca da disputa jogará um papel crucial em toda a narrativa. 

Como se verá, trata-se de uma faca encantada, que guarda múltiplos segredos.

A partir daí, desenvolve-se uma rica história de lutas, resistência, superação, derrotas, tragédias e vitórias. A provedora primordial de toda a humanidade se converte num palco sangrento. 

Aliás, desde que Euclides da Cunha publicou Os Sertões que o romance rural brasileiro se enquadra numa fórmula da qual, por mais que se queira, não é possível escapar. Ela é tributária do próprio sistema fundiário brasileiro, altamente concentrado, desde suas origens até os dias de hoje, nas mãos de uma minoria de latifundiários. 

O Brasil tem o triste privilégio de ser um dos poucos países do mundo civilizado que não passou pelo crivo de uma reforma agrária, que distribuísse a terra entre os que nela trabalham e vivem. 

Daí porque a luta pela posse da terra sempre foi e continua sendo o fenômeno mais frequente e sangrento de sua história. Decorre disso uma formatação romanesca que se repete na obra dos mais diversos autores que se dedicaram a escrever histórias rurais: Jorge Amado, Herberto Sales, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Guimarães Rosa e tantos outros. 

Cada romance é uma recriação em espelho da trilogia sociológica euclidiana: “a terra, o homem, a luta”. E Torto-Arado não foge à regra.

A terra em questão é a Chapada Diamantina da Bahia e seus entornos, região rica de águas e pedras preciosas, com alguns trechos de cerrado e outros de catinga, começo do vasto território sertanejo da Bahia e dos estados nordestinos limítrofes. 

Abundante de rios, colinas altaneiras, montanhas e chapadas, essa região concentra uma população que cresceu movida em boa parte pela cobiça da riqueza fácil que a busca do diamante proporciona, assim como pelas oportunidades de trabalho e subsistência para o povo pobre e desvalido.

A malha social, por sua vez, é constituída principalmente de descendentes de escravos negros despejados ao deus-dará no imenso interior do país após o fim oficial da escravatura. 

São famílias que se fixaram desde épocas remotas e foram se misturando com remanescentes de outras categorias raciais: brancos empobrecidos, pardos, mamelucos e indígenas. A predominância, no entanto, é de gente originária das comunidades quilombolas. 

Assim é que os personagens principais do romance são todos negros. No caso específico, são trabalhadores da fazenda Água Negra, de propriedade de uma tradicional família de fazendeiros conhecida como “os Peixoto”.

Explorada de toda sorte, essa população pobre procura garantir um meio de sobrevivência: isso significa um trabalho, mesmo que extremamente duro, e uma moradia, mesmo que precária. Os contratados têm permissão para construir uma casa, desde que não seja de alvenaria e coberta de telhas. Tem de ser a chamada casa de taipa, com telhado de palha, configurando um simples alojamento e jamais uma propriedade. 

São-lhes concedidos tão somente pequenos pedaços de terra, no fundo das casas, para cultivarem as plantas desejadas, desde que metade da produção seja entregue ao fazendeiro, através de seu capataz, sempre atento, rigoroso e atrabiliário. 

Mas este cultivo pessoal só é permitido nas horas vagas.  Fora disso os empregados são obrigados a trabalhar de sol a sol para os proprietários. Somente as crianças e os idosos podem se ocupar a qualquer hora dos seus quintais.

O cumprimento das regras é condição imprescindível para a permanência na fazenda. Quem as descumpre é mandado embora. A princípio, as pessoas são pacíficas, e superam suas dificuldades através de uma vida solidária, que se traduz como forma de resistência. 

Mas o ódio aos exploradores vai se acumulando dia a dia, e gera as suas consequências naturais. Quando as contradições de classe se aprofundam, também se encarregam de criar um palco de lutas e acender um prenúncio de liberdade.

A história gira em torno da família de Zeca Chapéu Grande, pai de Bibiana, Belonísia, Zezé e Domingas. Zeca é casado com Salustiana Nicolau, vulgo Salu, e é filho de Donana, a dona da faca do acidente, que a guarda como uma dádiva, enrolada em trapos dentro de uma velha mala de sola, debaixo da cama. 

Zeca Chapéu Grande é um “curador”, responsável pelas festas de jarê na propriedade. Tais festas, alegria das famílias ali assentadas, são toleradas pelo proprietário da fazenda, que acredita, por experiência própria, nos poderes mágicos de Zeca Chapéu Grande na manipulação de plantas, ervas e raízes, ao som dos atabaques e rezas, que curam como um medicamento milagroso. 

Não sabe ele que são exatamente essas festas do jarê que alimentam o espírito de sobrevivência e resistência do povo, através da crença nos “encantados”; quando as injustiças eclodem, é o jarê  que engendra a força necessária e a percepção das causas dos acontecimentos adversos, convertendo-a em ecos de revolta.

As festas religiosas do jarê, de raízes africanas, acabam, assim, sendo uma autêntica forma de resistência. Típica da Chapada Diamantina, não representam apenas um atributo de fé, mas também de divertimento, uma vez que os cultos são verdadeiras festas, no sentido lato: exaltação de prazeres sensoriais, de comidas típicas, bebida, música e dança. 

Além disso, é o jarê que alimenta a crença nos poderes da natureza, mais ou menos semelhantes aos do candomblé da Bahia. Os deuses do jarê parecem ser ainda mais poderosos: são eles que movimentam os “encantados”, com suas forças misteriosas. 

Não só os elementos da natureza têm seus símbolos de “encantamento”, tal a água e o fogo, como as próprias pessoas podem se tornar “encantadas”. Quando um “encantado” morre, alguém tomará o seu lugar.

Aqui precisamos retornar ao início deste artigo. A faca que decepa a língua de Brelonísia é, como vimos, uma “faca encantada”, que cumprirá um destino de justiça, como elemento crucial da luta pela posse da terra. Donana, quando jovem, é fascinada pela sua beleza, ao vê-la embainhada e presa no cinto de uma calça, pendurada num arame no quintal da fazenda onde trabalha como doméstica, numa festa de patrões. 

O cabo de marfim é tão deslumbrante e a lâmina tão brilhante que prenunciam um poder sobrenatural.  Seduzida, ela não consegue deter o ímpeto de se apossar dela, escondendo-a em local secreto. 

De nada adianta a incessante procura do instrumento desaparecido pelos ricos fazendeiros, pois ninguém desconfia dela, tida como de confiança, pois ali já trabalha há vários anos.

Tempos depois, já afastada dali e amasiada com um homem de má índole, Donana encontra o primeiro motivo para usar a faca: quando seu parceiro persegue a sua filha, tentando estuprá-la, ela não vê outra saída senão se vingar dele. 

Cria um plano bem urdido e mata o companheiro com a faca, enterrando o corpo em local secreto. O crime nunca será descoberto.

O segundo incidente é o que se dá com Bibiana e Belonísia. Salu, a mãe delas, que também é curadora, sabe que este incidente não se dá por acaso. Imagina que as filhas “haviam se mutilado num ritual misterioso que, nas suas crenças, precisaria de muita imaginação para explicar”. 

Quem sabe o incidente não represente o castigo pelo roubo da faca? Quem sabe não tenha sido necessário para dar à faca a trajetória que lhe foi predeterminada?

Depois do incidente com as netas, Donana se apossa novamente da faca e a enterra em lugar secreto, na beira do rio Bonito. Belonísia vai reencontrá-la por acaso, tempos adiante, ao avistar seu cabo de marfim despontando brilhante do seio da terra. 

Já nesse momento se vale dela para defender-se da ameaça de um cavaleiro que se acerca, como se a faca tivesse surgido milagrosamente para salvá-la.  É ela mesma quem narra: “Ao retirar o punhal da minha avó do chão seco percebi que sangrava, e um rio vermelho começou a correr pela terra”.

A faca é guardada em sua casa como um amuleto. Mesmo vivendo só ─ seu marido, um bêbado malfeitor, havia morrido numa queda de cavalo ─, sente que nada pode lhe acontecer de mal desde que esteja perto dela. 

Por esse tempo, torna-se amiga de uma nova moradora da fazenda, nas confluências de sua casa, de nome Maria Cabocla, uma preta baixa e robusta, que carrega o infortúnio de apanhar com frequência do marido. Cheia de filhos, a vida de Maria é um verdadeiro inferno e Belonísia resolve apoiá-la e enfrentar aquele homem mal que não lhe dá sossego. 

Muitas vezes acolhe Maria em sua casa. Em outras toma a frente dela e impede as agressões do malfeitor. Vários são os entrechoques. No mais comovente e decisivo, ela empunha a faca encantada e a põe na garganta do homem, que fica assombrado com a sua coragem e não consegue olhar para a faca: recua e chora.

Por último, ocorre o episódio chave do romance. 

Bibiana traça um plano para liquidar o novo proprietário da fazenda Água Negra, que já não pertence aos Peixoto.  É um violento perseguidor dos moradores, responsável, inclusive, pelo assassinato de Severo, primo e marido dela, que havia entrado para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de uma cidade próxima, onde vivera uns tempos e, de volta à fazenda, dera início a um trabalho de organização e conscientização dos trabalhadores.

Bibiana apossa-se da faca encantada guardada por Belonísia e, durante várias noites, sem que ninguém perceba, dirige-se a um local onde o novo proprietário costuma passar de cavalo, supervisionando suas terras. Ali cava uma cova profunda e a recobre com palhas e mato rasteiro. No dia certo, escondida entre os arbustos, salta sobre o cavalo e crava a faca no inimigo. Depois arrasta o cadáver até a cova que preparou e o recobre de terra e mato.

Após sua vingança, tudo começa a mudar na fazenda. O direito de construir casas de alvenaria é conquistado. A propriedade individual para cultivo próprio é expandida e não mais sofrerá tributação injusta. A emancipação dos trabalhadores vai sendo conquistada passo a passo.

Por isso, se o título deste livro parece, a princípio, destoante, nesse final é possível vê-lo como um sinal dos tempos. O torto arado é o símbolo de uma lavoura alienada e atrasada, que só funciona na base da força bruta e com o sacrifício de muitos em benefício de poucos. 

Um dia será diferente, tecnologicamente avançada e manejada por homens livres em seu próprio benefício.

─ oOo ─

Torto Arado é dividido em três partes: Fio de corte, narrado por Bibiana; Torto arado, narrado por Belonísia; e Rio de sangue, narrado por Santa Rita Pescadeira, uma “encantada” que se incorpora em Miúda, outra heroína da comunidade de Água Negra. 

O fato de os narradores serem todos eles mulheres é paradigmático. Tal protagonismo é uma das facetas encantadoras do romance, que ressalta o papel das mulheres e enaltece a sua bravura.

Toda a história é um chamamento de amor à terra; um grito poético que pode ser resumido nesta narrativa de Bibiana, a respeito do que lhe ensinava Zeca Chapéu Grande, seu pai:

“Se o ar não se movimenta, não tem vento, se a gente não se movimenta não tem vida.”

E, ressaltando a sabedoria do pai:

“Meu pai não tinha letra, nem matemática, mas conhecia as fases da lua. Sabia que na lua cheia se planta quase tudo; que mandioca, banana e frutas gostam de plantio na lua nova; que na lua minguante não se planta nada, só se faz capina e coivara.”

Por fim, falando de quando seu pai encontrava um problema na roça:

“…se deitava sobre a terra com o olvido voltado para seu interior, para decidir o que usar, o que fazer, onde avançar, onde recuar.

Como um médico, à procura do coração.”

A última narradora assim chega ao desfecho dessa história: “Sobre a terra há de viver sempre o mais forte”. Perfeito! Como dizia Euclides da Cunha, “o nordestino é antes de tudo um forte”.

Em resumo: Torto arado é um romance sólido, dos mais bem escritos nos últimos tempos no Brasil. 

Engrandece a literatura de língua portuguesa e recoloca a Bahia na trilha percorrida pelos seus grandes mestres.

Paulo Martins – Lisboa, novembro de 2020

BABENCO, UM FILME IMPERDÍVEL!

 Filme sobre Hector Babenco é indicado pelo Brasil para concorrer ao Oscar



O documentário Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou, dirigido por Bárbara Paz, que foi esposa do cineasta Hector Babenco (1946-2016), foi selecionado para representar o Brasil na busca por uma vaga no Oscar de 2021. O anúncio foi feito nesta quarta-feira, 18, pela Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais. 


blob:https://www.youtube.com/42249fef-6a18-43c1-a245-2f30719fab7c


Leia mais em: https://veja.abril.com.br/cultura/filme-sobre-hector-babenco-e-indicado-pelo-brasil-para-concorrer-ao-oscar/



sábado, 28 de novembro de 2020

VALE A PENA CONHECER MARANGUAPE

A APOSENTADORIA DO CORONEL

 


Argélia 1961 Soldado raso, durante vinte e seis meses nunca andarei armado. Sou jornalista para o exército. Caneta e Rolleiflex. O comandante da revista semanal me manda um dia no meio do deserto, o outro nos montes da Kabília.

Desta vez estou num helicóptero a caminho do Atlas saariano, pelos lados de Aïn Sefra, perto da fronteira com Marrocos, para escrever algo sem o mínimo interesse sobre o magnânimo espírito de sacrifício das tropas. O Alouette II foi concebido para três passageiros e o piloto. Costuma voar em baixa altitude. Parece uma bolha de sabão. A visão é ampla. Diria que de 300 graus. Ao princípio não me sentia muito seguro, um pouco angustiado. Mas já me acostumei.

 A terra vai mudando de cor. Depois da estreita faixa de verde ao longo do mar Mediterrâneo, aos poucos o solo torna-se mais árido, amarelado, rios intermitentes, vilarejos esparsos. Chegamos aos contrafortes da serra. Inóspita, rochosa, dura, com matizes do bege seco ao cinza sepulcral. Será que, fora escorpiões e serpentes, tem alma viva neste deserto montanhoso?...

Calor intenso. Barulho ensurdecedor da hélice. De repente sobrevoamos algo como uma improvável miragem. No meio dos picos íngremes, um lago de águas turquesas, perfeitamente ovalado, rodeado de uma faixa branca que não conseguimos definir. Uma só casa, branca também, imensa, apalaçada. Algumas palmeiras. Sobrevoamos por menos de um minuto, mas um minuto que ficará para sempre na minha memória.

Ainda levaremos um bom tempo até chegar ao acampamento. O helicóptero pousa sem dificuldade num pequeno espaço verdejante, no meio de uma floresta de cedros. A meu encontro vem o coronel com dois oficiais. Todos em uniforme de combate e armados. É para mim sempre uma secreta ironia, já que o único galão que ostento é o do jornal, ser recebido com certo decoro por militares de alta patente que esperam uma boa repercussão de nosso encontro. Como é hora de almoçar, o coronel me convida a sentar à sua mesa. E que mesa! Ampla, coberta com uma toalha branca generosamente bordada, talheres de qualidade. Meu anfitrião é um homem culto. Colocou como música de fundo um concerto. Mozart, Scarlatti ou Haydn, não me lembro. Falamos de cinema, do último livro que leu. Aos poucos as distâncias vão diminuindo. Está perto de se aposentar e a grande incógnita é saber como irá se adaptar à vida civil. “No exército, é muito fácil. Cada um tem seu lugar bem definido na hierarquia. Você sabe exatamente como se comportar conforme a graduação. Mas no dia em que estarei vestido como qualquer um, de paletó e gravata, como serei avaliado? E para mim, quais serão os signos exteriores para adivinhar o nível do interlocutor? ”.

Que resposta você, leitor, daria?

Dimitri Ganzelevitch

A Tarde 28 / 11/ 2020.

PRESA, MAS SORTUDA!

Presa há 1 ano, desembargadora recebe R$ 459 mil em salários e benefícios



uol.com.br - Alexandre Santos

Presa há quase um ano, a desembargadora Maria do Socorro Barreto Santiago, ex-presidente do TJ-BA (Tribunal de Justiça da Bahia), continua a figurar …



https://flip.it/RA8-Qr

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

O EXEMPLO AFRICANO

 A Grande Muralha Verde da África: 8.000 km de árvores que prometem salvar o planeta do aquecimento global


Pesquisas já mostraram que, para conter o aquecimento global seria preciso plantar cerca de 1,2 trilhão de novas árvores. Se este objetivo parece difícil de ser conquistado, a África já começou a fazer sua parte, através do mega projeto apelidado de ‘A Grande Muralha Verde’.

Pioneiro e inovador, trata-se de uma imensa área verde que se estenderá por 8 mil quilômetros e promete salvar milhares de pessoas da seca e da fome, devolvendo a dignidade a africanos que sofrem cada vez mais com os efeitos do aquecimento global. No entanto, os benefícios da barreira que corta o continente africano são muitos. A longo prazo, ela irá neutralizar o aquecimento global, criando um enorme pulmão verde capaz de baixar a temperatura, liberar oxigênio e eliminar dióxido de carbono da atmosfera.


MAIS:

https://razoesparaacreditar.com/grande-muralha-verde-salvar-planeta/

NA CHINA, UM MUSEU...

 ... DE HISTÓRIA NATURAL










A HORA DE BOULOS

ASCÂNIO SELEME

 


Uma grande novidade pode ocupar o cenário político nacional no próximo domingo. Guilherme Boulos, que há dois meses era apenas um dos diversos postulantes ao principal cargo em disputa nas eleições municipais deste ano, transformou-se na sensação da campanha e, em três dias, pode perfeitamente ser eleito prefeito de São Paulo. Votos para isso ele parece ter reunido, de acordo com as pesquisas. O importante a discutir agora é se esta é a melhor hora para Boulos.

A simples presença do candidato do PSOL nesta altura da campanha já areja o ambiente bastante intoxicado desde a eleição do presidente de extrema-direita. Embora o centro e a centro-direita tenham saído dominantes do primeiro turno, diminuindo o tamanho e o espaço de Jair Bolsonaro, a principal joia da coroa está em disputa entre um candidato de centro-esquerda e um de esquerda. Não há como negar, a prefeitura de São Paulo é a mais importante do país e tem orçamento e receita maiores que pelo menos uma dúzia de estados brasileiros.
Politicamente, o prefeito de São Paulo é mais visível e mais preponderante do que qualquer governador, mesmo os de Rio e Minas. Ou alguém acha que Cláudio Castro e Romeu Zema têm um futuro tão amplo quanto Bruno Covas? Tomem a trajetória de João Doria como exemplo. Por isso, o caminho que se abre para Boulos é enorme. Se vencer a eleição, ganha uma projeção que nem os maiores líderes de seu partido jamais conseguiram alcançar.
O problema é como administrar a vitória. Como governar a maior cidade do país mantendo relevância e sem queimar capital político. A primeira questão para Guilherme Boulos, no caso de ser eleito, é a montagem do governo. Quem ele trará para a administração municipal para encaminhar as propostas que apresentou ao eleitor durante a campanha. Como seu partido é pequeno, terá de buscar quadros fora do PSOL, principalmente no PT. E essa pode ser a primeira armadilha que vai enfrentar.
O perigo para Boulos é ser tutelado pelo PT, ou pelo menos ser visto de fora dessa maneira. O risco de ser considerado um braço político do partido de Lula e do próprio ex-presidente é enorme. Não há como governar sozinho, claro, não se toca uma cidade como São Paulo sem um imenso anteparo político. E daí pode nascer a percepção de que Boulos é apenas um novo líder do PT, desidratando o PSOL, que nasceu justamente porque um grupo de petistas discordou dos métodos do partido e se afastou da onda de escândalos daquela era.
A crise econômica que o mundo atravessa em razão do coronavírus é outro problema que pode fazer fracassar um hipotético governo Boulos. Se o programa de governo do candidato exige gastos muito acima do que o município pode arcar em tempos normais, imagine nesta época de vacas magras. E aí cresce a possibilidade de o novo prefeito acabar traindo, mesmo que involuntariamente, seus compromissos de campanha, suas promessas eleitorais, decepcionando os eleitores e enfraquecendo seu partido.
Talvez, e você pode discordar inteiramente, seja melhor para Boulos perder esta eleição. Da mesma forma que foi bom para Lula ter perdido para Fernando Collor em 1989, ele próprio já reconheceu isso. Se sair da eleição com 45% dos votos válidos, como mostrou a última pesquisa Datafolha, se cacifará para se tornar um grande nome em 2022. Como sua curva é ascendente, pode encostar ainda mais em Covas, fortalecendo e amadurecendo a si próprio e ao PSOL, como Lula e o PT também amadureceram.
Mas a alternativa da derrota também guarda um problema. Será que Lula vai permitir que uma luz brilhe mais forte que a sua ou do seu partido? Com todo o poder que tem sobre o PT, Lula não evitou a candidatura de Jilmar Tatto, mesmo quando Boulos já era a alternativa viável. Por quê? Porque não quis. Alegar democracia interna é bobagem. Em 2018, rifou Marília Arraes em Pernambuco, atropelando o diretório regional. Como não dá para confiar em Lula, quem sabe seja esta mesmo a melhor hora para Guilherme Boulos, apesar de todos os riscos.

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

O CADERNO DE TOMY

 UM EXCELENTE FILME ARGENTINO (MAIS UM!) SOBRE O NASCIMENTO DE UM LIVRO E A MORTE DE UMA MULHER 



VALE A PENA ASSISTIR O FILME NA NETFLIX

SALVADOR JÁ FOI ASSIM

 





























UM NOVO AZUL





Riscos dos pigmentos azuis.
Para quem vive em um planeta azul, pode parecer estranho saber que fabricar tintas azuis seja um problema.
O fato é que os pigmentos azuis têm-se mostrado problemáticos - o azul cobalto, criado na França no início do século 19, pode ser carcinogênico; o azul da Prússia libera o venenoso cianeto; e outros pigmentos azuis não são estáveis quando expostos ao calor ou a ambientes ácidos.
Desde o mundo antigo, com os egípcios, chineses, e até com os maias, as pessoas sonham com a descoberta de compostos inorgânicos que possam ser usados para tingir os objetos de azul. Mas os sucessos não têm sido muito dignos de serem chamados assim.
Descoberta por acaso.
Agora, por um mero acaso, pesquisadores da Universidade do Oregon, nos Estados Unidos, descobriram uma família de compostos de manganês que pode pôr um fim a essa busca milenar.
Os compostos, de cor azul profunda, são fáceis e seguros de se fabricar, são muito mais duráveis e deverão gerar novos pigmentos azuis mais ambientalmente benignos do que todos os que existem ou já foram usados no passado.
Os testes demonstraram que os novos pigmentos azuis suportam temperaturas extremamente elevadas e não se desbotam mesmo depois de uma semana mergulhados em uma solução ácida.
"Basicamente, esta foi uma descoberta acidental," conta Mas Subramanian, coordenador do laboratório onde o feliz "acidente" ocorreu.
"Nós estávamos explorando óxidos de manganês por causa de algumas propriedades eletrônicas muito interessantes que eles apresentam, algo como poder ser ferroelétrico e ferromagnético ao mesmo tempo. Nosso trabalho não tinha nada a ver com pigmentos," conta o cientista.
Melhor pigmento azul da história
Não tinha, até que o estudante Andrew Smith retirou algumas amostras dos óxidos de manganês do forno e verificou que elas eram totalmente azuis, e de um azul belíssimo. Estava nascendo o mais novo, e provavelmente o melhor, pigmento azul da história.
A cerca de 1.200 ºC, o sem-graça óxido de manganês transformou-se em um composto azul vívido que pode ser usado como pigmento em tintas, sendo capaz de resistir ao calor e ao ataque de ácidos, além de não conter elementos tóxicos e ser barato de se produzir - os óxidos de manganês são produtos largamente disponíveis no mercado, com custo baixo.
Depois de analisar o composto e descrever sua estrutura e características físico-químicas em detalhes, os pesquisadores afirmam que o novo pigmento azul poderá ser usado em qualquer tipo de tinta, das impressoras a jato de tinta até automóveis, artes e tintas para paredes.
(Redação do Site: Inovação Tecnológica - 01/12/2009)

O CAPITALISMO NO SÉCULO XXI

O capitalismo segundo Thomas Piketty. Um documentário à procura de respostas





“O Capital no Século XXI” é um documentário sobre o capitalismo tal como o vê o economista francês Thomas Piketty — uma alavanca intelectual para compreender o nosso tempo, que chegou esta semana no cinema Glauber Rocha, em Salvador




sexta-feira, 20 de novembro de 2020

POEMA EM LINHA RETA


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das
etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

( Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa )
"O poema é uma crítica às relações sociais que Alvaro de Campos parece observar, de fora, e a sua incapacidade de se operar pelas regras de etiqueta e conduta vigentes. O sujeito lírico aponta a falsidade e hipocrisia dessas relações."
(Carolina Marcello Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes )