sábado, 29 de junho de 2024

A VERGONHA DO ESTADO DA BAHIA

 

Prédio do Arquivo Público vai a leilão pela quarta vez neste ano

Valor inicial para arrematar o imóvel é 40% em relação ao último leilão, com lance inicial de R$ 7,4 milhões

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  • Larissa Almeida









  • Sede do Arquivo Público Crédito: Marina Silva/Arquivo CORREIO 

    Um novo capítulo de incertezas sobre o futuro do vasto acervo existente no Arquivo Público do Estado da Bahia (Apeb) está sendo escrito até o dia 4 de julho, data em que o prédio que abriga a entidade arquivística centenária será leiloado pela quarta vez somente neste ano. Depois de três tentativas sem obtenção de propostas, o imóvel poderá ser arrematado em uma casa de leilões pelo lance inicial de R$ 7.423.518,00, acrescido de no mínimo R$ 50 mil. O valor é 40% menor em relação ao último leilão, realizado no dia 21 de junho, que teve lance inicial de R$12.448.851,34.

    Localizado na Baixa de Quintas, o prédio Solar da Quinta do Tanque – também conhecido como Quinta do Tanque ou Quinta dos Padres – é a casa do Arquivo Público desde 1980. Antes disso, o local foi casa de repouso dos jesuítas e leprosário e, em 1949, declarado patrimônio pelo Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

    Toda a instabilidade existente em torno do prédio teve início em 1990, quando o Solar da Quinta foi envolvido em uma briga judicial, movida por um escritório de arquitetura de Salvador, que acusou o Estado de não pagar dívidas. Em 2005, a ação contra o governo foi executada e a Bahiatursa – órgão extinto transformado na Superintendência de Fomento ao Turismo da Bahia, em 2014 – ofereceu a atual casa do Apeb para penhora. Nada aconteceu por 16 anos, até que, no dia 7 de novembro de 2021, o anúncio de que o prédio iria a leilão para pagar a dívida veio à tona.

    Mesmo sob inicial intervenção do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA), que se manifestou contrário à venda e conseguiu a suspensão do primeiro leilão por 60 dias, o Solar da Quinta do Tanque foi leiloado em mais de uma oportunidade, a partir de 2022. Somente neste ano, três tentativas foram feitas no dia 25 de março, 8 de abril e 21 de junho, através do site Cravo Leilões.

    Viriato Domingues Cravo, leiloeiro responsável pela Cravo Leilões, acredita que o principal empecilho para a venda do imóvel é o tombamento. “É um imóvel interessantíssimo da cidade de Salvador, mas o tombamento deixa o investidor com certos receios, porque ele tem que seguir uma série de regras do Iphan em termos de preservação das construções”, afirma.

    Interesse  federal

    Em 2022, a propriedade chegou a ser arrematada por R$ 13,8 milhões, oferecido por uma empresa pernambucana, que depois desistiu da aquisição. Desde então, não houve novos arremates, mas o Governo Federal, por meio da Superintendência do Patrimônio da União na Bahia (SPU-BA), demonstrou interesse no imóvel no dia 1º de dezembro de 2023.

    Em ofício enviado à Advocacia da União e à Procuradoria-Regional da União da 1ª Região e, posteriormente à casa de leilões, a SPU-BA manifestou intenção de adquirir o Solar da Quinta do Tanque por R$ 12.448.851,34. No entanto, de acordo com a Cravo Leilões, o depósito do pagamento nunca aconteceu.

    Ainda que a transação não tenha sido concluída, a SPU-BA segue em vantagem. Isso acontece porque, embora um prédio tombado pelo Iphan possa ser levado a leilão, a União, os Estados e municípios têm preferência para comprar o bem, conforme prevê o Art. 892, § 3º. "No caso de leilão de bem tombado, a União, os Estados e os Municípios terão, nessa ordem, o direito de preferência na arrematação, em igualdade de oferta”.

    O interesse do governo federal na propriedade tombada não foi esclarecido. No entanto, nos últimos anos, o Estado realizou diversos investimentos no local. Em 2019, o Ministério da Cultura junto a Fundação Pedro Calmon (FPC) obteve investimentos de R$ 3 milhões para serviços de reforma no Solar da Quinta do Tanque.

    Em novembro de 2021, a proposta ‘Acervos Memoriais APEB/FPC: Preservação e Difusão’, apresentada pela FPC foi contemplada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e recebeu investimento de R$ 13.855.876,50 concentrados nas ações de: capacitação para aperfeiçoar e dar continuidade às intervenções de restauro (R$ 25.000,00), catalogação, higienização (R$ 528.934,50), restauração (R$ 4.276.755,00), acondicionamento (R$ 158.550,00), armazenamento (R$ 1.800.000,00), controle ambiental (R$ 4.013.707,00), sistema de segurança (R$ 2.259.230,00) e conceber e implantar projeto expográfico (R$ 793.700,00).

    A reportagem procurou a SPU para se posicionar sobre o interesse manifestado pelo prédio que abriga o Apeb e informar se há intenção de concretização da oferta, mas não houve resposta.

    Entidades se manifestam contra o leilão

    Após o anúncio de mais leilão, entidades arquivísticas e históricas baianas se posicionaram contra o certame do dia 4 de julho. Em nota, a Fundação Pedro Calmon reiterou que não aprova o leilão e defendeu que o imóvel Quinta do Tanque é parte da memória, identidade e do patrimônio cultural e histórico do estado.

    “Seguimos junto à Procuradoria Geral do Estado, monitorando os resultados da ação judicial que não tem tido êxito nas suas diversas tentativas anteriores. Garantimos que, independentemente do resultado do leilão, a sede do Arquivo Público da Bahia seguirá funcionando e desempenhando sua nobre missão, acessível a toda comunidade acadêmica, pesquisadores e ao público em geral”, disse em nota.

    A Associação dos Arquivistas da Bahia (Aaba) voltou a afirmar que entende que a concretização do leilão teria como consequência a retirada do acervo do imóvel. “Isso continua sendo a nossa maior preocupação. No entanto, estamos aguardando que as ações e estratégias adotadas pelo Estado sejam efetivadas e que o acervo permaneça no prédio da Quinta do Tanque”, ressaltou.

    Por sua vez, a Associação Nacional de História (Anpuh) emitiu nota de repúdio ao certame. “É inaceitável novamente termos que enfrentar a iminência de perder um espaço de valor histórico e cultural inestimável para o estado da Bahia. Esperávamos que esse leilão fosse anulado, especialmente após as afirmações do ex-diretor da Fundação Pedro Calmon, Zulu Araújo, durante o I Encontro de Arquivistas da Bahia, realizado em 2022. [...] O APEB é um bem público e não está à venda”, finalizou.

    *Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro

     








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