quarta-feira, 9 de abril de 2025

DA CAPACIDADE DE ADERIR A IMBECILIDADE

 Da vocação à imbecilidade: uma reflexão sobre a adesão humana ao risível

Pode ser uma imagem de 1 pessoa e texto que diz "O 한이스터 O SER HUMANO E SUA CAPACIDADE INFINITA DE ADERIR À IMBECILIDADE -Oliver Harden"

Se há algo que a história, a cultura e a psicologia nos revelam com precisão desconcertante é a extraordinária, quase transcendente, capacidade do ser humano de aderir voluntariamente ao que há de mais tosco, pueril e intelectualmente indigente. A imbecilidade, longe de ser um acidente do intelecto, parece às vezes operar como uma escolha ativa, uma forma perversa de conforto epistemológico, uma adesão cega à banalidade que poupa o indivíduo da angústia da lucidez.
Ora, não se trata aqui de uma condenação moralista, mas de um diagnóstico estrutural. Pascal, em sua agudeza mística, já dizia que “o homem é um caniço pensante”, isto é, simultaneamente vulnerável e racional, mas o problema reside exatamente aí, o homem pensa, mas nem sempre deseja pensar bem. Sua racionalidade, que deveria conduzi-lo à verdade, frequentemente se vê escravizada por suas paixões, por sua vaidade, por seu desejo de pertencimento, ainda que ao preço do ridículo.
A adesão à imbecilidade, portanto, não é sintoma de ignorância pura, mas de uma inteligência entorpecida pela conveniência. O sujeito que compartilha fake news com furor messiânico, que repete slogans vazios como mantras existenciais, que defende causas absurdas com zelo quase litúrgico, não é necessariamente desprovido de cognição, mas é, sobretudo, um cúmplice entusiasmado da indigência intelectual, porque esta o exonera do fardo da dúvida e da complexidade.
Nietzsche, em suas investidas contra a “moral de rebanho”, já intuía essa disposição humana a se abrigar no consenso raso, como fuga da responsabilidade de pensar por si. O imbecil, no sentido mais filosófico e menos pejorativo do termo, não é apenas aquele que desconhece, mas aquele que prefere não saber, que recusa o incômodo da consciência crítica, que escolhe a repetição ao discernimento, a identificação tribal ao exercício da autonomia.
E o século XXI, com suas redes sociais e suas democracias do algoritmo, parece ter oferecido à imbecilidade um trono e um microfone. Nunca foi tão fácil emitir opiniões sem fundamento, nunca foi tão confortável ridicularizar o saber, nunca foi tão lucrativo posar de sábio dizendo obviedades. A figura do “especialista de si mesmo”, aquele que se autoriza a opinar sobre tudo com base apenas em suas crenças, tornou-se o avatar moderno da desintegração da autoridade intelectual. A estupidez, agora, vem com likes, monetização e seguidores.
Mas há algo mais inquietante, a imbecilidade contemporânea não se apresenta mais como limitação, mas como virtude. Ser superficial é ser “acessível”, ser ignorante é ser “gente como a gente”, rejeitar o pensamento complexo é “ter opinião própria”. Em outras palavras, vivemos não apenas uma época em que o imbecil é celebrado, mas em que a imbecilidade é romanticamente confundida com autenticidade.
A tragédia dessa adesão é dupla. Primeiro, porque ao renunciar ao pensamento crítico, o sujeito renuncia à sua própria dignidade ontológica, tornando-se massa de manobra para interesses que ele sequer suspeita. Segundo, porque essa renúncia tende a ser contagiosa, alimentando um clima coletivo de aversão ao saber, à arte, à filosofia, enfim, a tudo aquilo que exige lentidão, esforço e humildade.
Seria possível resistir a esse movimento? Sim, mas o preço é alto. Resistir à imbecilidade exige nadar contra o fluxo, aceitar a solidão do discernimento, recusar o aplauso fácil. Como bem dizia Adorno, pensar é um ato de resistência. E resistir, no mundo atual, tornou-se sinônimo de lucidez.
A adesão humana à imbecilidade, portanto, não é apenas uma fraqueza do espírito, mas um problema político, estético e existencial. E enquanto não formos capazes de encarar esse fenômeno com a gravidade que merece, continuaremos a ver multidões se lançando, com alegria contagiante, no abismo do risível, como se houvesse alguma nobreza em abdicar da inteligência.

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