Como custa este inverno a ser
varrido das ruas e jardins de Paris...
É numa manhã de se ficar no
aconchego da cama que resolvo enfrentar a chuvinha chatinha, os asfaltos
espelhados e o cheiro anônimo da Gare du
Nord. Com meu velho amigo Bruno estamos indo a Roubaix. Quando digo velho
amigo, nada de exagero. A gente se conhece desde os tempos militares. 1959. Meros
cinqüenta anos. Meio século... Pode?! Continua pintando imensas telas abstratas
irritadas, imune ás correntes “contemporâneas” de instalações e conceitos.
Também é exímio desenhista, povoando a bico de pena montanhas de corpos
lúbricos em espaços saturados.
O tripé
Lille-Roubaix-Tourcoin foi o pivô de aulas de geografia econômica quando
estudante. Lá reinaram as grandes famílias das maiores fortunas da indústria francesa de tecelagem. Acontece que o Bruno é neto, bisneto e
tetraneto de algumas destas famílias. Mas de herança que é bom, só alguns
moveis e objetos.
País plano que anuncia a
Bélgica, fachadas que anunciam a Holanda, gente que fala pouco, olha o céu desconfiado
e ignora vizinhos. Mesmo assim, e talvez por reação, terra de grandes talentos
artísticos. Fomos aconselhados a sair do TGV em Lille e pegar o metrô até
Roubaix. Pois é, as cidades hoje se tocam, se fundem num imenso emaranhado de
vias rápidas, ruelas, bulevares, pracinhas e praças onde dançam os frios ventos
do Norte. Uma rua longa e deserta, quase sem comércio, nos leva até a piscina
municipal.
Brincadeira?
Nada disso. Foi mesmo para
ver uma piscina que viajamos uma hora e meia de trem e enfrentamos este no man´s land. É que um amigo sugeriu
esta visita para um projeto em
Salvador. Por enquanto, segredo. Mas ninguém se preocupe. Não
vamos fazer uma piscina coberta à beira do Rio Vermelho. Se bem que não seria tão
má idéia, com esta chuvarada. Quem sabe o João Henrique pega esta onda?...
Nos anos 30, após terem-se
sarado as feridas da Primeira Guerra Mundial e sem a premonição de mais uma
guerra, mais sangrenta, os franceses descobriram as benfeitorias do corpo sano.
Coubertin reinventara as Olimpíadas e a piscina de Roubaix ofereceria, a preços
populares, todos os requintes do clube mais sofisticado da elite para seus
cidadãos. Mármores, azulejos ricamente trabalhados, água quente, chuveiros
individuais, elegantes grades para sacadas, corrimões e portões, vasto pátio
ajardinado, nada foi poupado para a nobre prática da natação.
Veio a Segunda Guerra, juventude
massacrada, mudanças de costumes, falta de manutenção. A bela piscina entrou em
decadência, foi abandonada. O mato, os vira-latas e mendigos tomaram conta. Até
que uma administração municipal mais dinâmica resolveu enfrentar o desafio e
transformar o edifício em museu.
Em museu! E era justamente
este museu que dois velhos ex-pracinhas iam visitar. O resultado é incomum.
Conservou-se o estabelecimento de esporte com todas, absolutamente todas suas
características. Nos chuveiros colocaram vitrines ou textos explicativos. Ao
longo da piscina, grandes estátuas de mármore, barro ou gesso – homens de um
lado, mulheres do outro – de vários estilos, principalmente dos séculos XIX e
XX, parecem prontas a entrar na água, oferecendo um leque de todos os estilos,
com destaque para o Art Déco. A cada 15 minutos, em vez de costumeira música de
fundo, uma gravação lembra por breves instantes os barulhos típicos de uma
piscina coberta: gritos de jovens, mergulhos, ecos, risadas... Noutras salas,
está exposto o rico acervo do museu, com destaque para os valores locais, mas
não faltando alguns nomes de peso como Klee, Picasso, Stael, Marquet, Van
Dongen.
Já passa do meio dia e
resolvemos almoçar, banal, na antiga entrada, hoje restaurante. Na saída,
entramos por acaso na exposição temporária de uma espanhola, Ágata Ruiz de la Prada.
É uma bofetada, um vendaval de cores e formas
loucas, um carrossel de sol e alegria que invade nossos olhos e nossas cucas.
Ágata é madrilena. Apareceu, como outros tantos talentos, na época da Movida e,
como costuma acontecer neste país de imensos talentos quando não de gênios,
incendiou a península desde San Sebastian a Algeciras. O que faz esta mulher?
Vestidos. Sim. Vestidos. Mas que vestidos! Não adianta querer explicar,
descrever. Se poucas mulheres poderiam ousar habitá-los, eu não hesitaria em ter
dois ou três na minha casa em exposição permanente. Nas suas obras reencontro
Miro, Calder, Buñuel, Satie, Almodóvar, Ionesco e Magritte.
Se quiserem saber mais, duas
soluções: ou abrir o Google ou pegar o primeiro avião e ir até Roubaix.
Dimitri Ganzelevitch Salvador, 8 de maio de 2009.
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