Salvador da Bahia: Iconografia e história – III.
Vistas: cultura material, escravidão
e relatos de viajantes.
As duas cidades, a Alta e a Baixa, emaranhadas com seus casarios e igrejas, ofereciam um cenário deslumbrante na Cidade do Salvador no final do século XIX. O visitante que desembarcava no velho porto, símbolo maior da entrada e saída de pessoas, mercadorias e ideias ao longo de séculos, admirava um paredão de construções seguindo o padrão construtivo da época, salteado pelo verde da encosta com seus muros e arcos e as igrejas que no alto “observavam” a cidade.
Essa foi a visão que o alemão Mauricio Lamberg constatou no final do século XIX, visitou a Bahia pela primeira vez em 1885, escrevendo depois o livro: “O Brazil” de 1896, vertido do alemão por Luiz de Castro. No Capítulo X, onde escreve sobre a Bahia, a referida imagem abre o capítulo, sem dúvidas a mais bonita da obra, carregando em suas linhas todo um panorama social imerso na escravidão e a situação da Bahia com suas variadas conjunturas socioeconômicas e culturais.
O autor exibe ao longo do capítulo um breve panorama histórico sobre a Bahia destacando-a como “uma das primeiras cidades comerciais da América do Sul, e como praça solida não é inferior a nenhuma outra, e é por isso que gosa na Europa de muito credito”, seguindo a grafia da época. Continua apresentando questões relacionadas a escravidão e a economia local, com a cana de açúcar e a “decadência” dos últimos dez anos, “Foi principalmente a emancipação dos escravos que lhe trouxe maior prejuízo [...] Em parte, a culpa é dos proprios proprietarios importantes, que só dificilmente se habituam á idéa de que os seus trabalhadores já não são escravos, mas homens livres que teem o direito de taxar os seus serviços, de apresentar as suas condições, e, antes de tudo, de exigir um tratamento digno; em parte, dos antigos escravos, que são na grande maioria preguiçosos e vadios; e finalmente sobre o governo recahe também não pequena culpa dessa situação desastrosa, porque olha tranquillamente para essa vida de vagabundos dos pretos, sem a reprimir com leis.” Pg. 197-198. Para além do registro iconográfico o relato de Lamberg ilustra um pensamento não isolado das visões sobre as décadas pós 1888 e a realidade do negro. Os termos: “preguiçosos e vadios”, utilizados pelo autor, não desaparecerão do cenário de interpretações e entendimentos relacionados a realidade social brasileira no pós escravidão com todo o racismo existente, que passará a ter o víeis cientifico.
Na imagem a Cidade Alta é marcada pelas Igrejas (Lamberg aponta o número de 120), da esquerda para a direita: Catedral Basílica do Salvador, Igreja da Sé (demolida em 1933) com o palácio arquiepiscopal e a Igreja da Misericórdia, com destaque para sua Loggia (varanda com três arcos) do século XVIII. Nota-se que entre a Catedral Basílica e o citado palácio temos um quarteirão de casarios que nas décadas seguintes seriam demolidos para no lugar ser construído entre outros prédios a antiga estação da Companhia Linha Circular de Carris e depois o atual prédio da Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (Coelba). Na Praça Municipal os prédios do Palácio do Governo e da Câmara dos Vereadores estão com as antigas fachadas e o Elevador Lacerda, na época Parafuso, só com uma torre.
A Cidade Baixa já possui os casarios em direção a Associação Comercial da Bahia, tema das fotos anteriores n° I e II, com a inconfundível Alfandega, local que não despertou as melhores observações do Lamberg, “As ruas e viellas estreitas, tortas, confusas e sujas, fizeram sobre mim má impressão [..] assemelha-se a um bazar labyrintico e feio.” Pg 201. Cidade Alta, a escarpa com a Ladeira da Montanha, inaugurada em 1885, e a região da praia e porto são emolduradas pelo mar da Baía com seus saveiros e pequenas embarcações.
No restante do capitulo o autor destaca algumas cidades do interior do estado, exemplo de Cachoeira, São Felix e Feira de Santana, ressalta que a Bahia tinha 1.800.000 habitantes, Salvador 180.000 mil, maioria de pretos e mestiços, e diz: “Intelectualmente, não é inferior a nenhum outro Estado do Brazil; deu, pelo contrario, á monarchia os estadistas mais eminentes.” pg 200, e ainda frisa os graves problemas no tocante os transportes. O caráter festivo e culinário também faz parte de suas observações, “São tambem notáveis pela alegria de suas canções. Os cantos populares mais conhecidos do Brazil veem da Bahia. A cozinha distingue-se igualmente da cozinha brasileira [...] é conhecida e apreciada em todo o paiz.” grafia da época, pg. 201.
Os relatos de Lamberg e outros tantos viajantes legaram importantes testemunhos que aliados a análise iconográfica nos oferece um rico panorama da história da Bahia. Faz com que as imagens ganhem cor, quase som, exprimindo o que em olhar descuidado as vezes não enxergamos.
O precioso livro de Lamberg e outras imagens voltarão na série: Salvador da Bahia: Iconografia e história.
Rafael Dantas – Historiador.
Universidade Federal da Bahia.
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