quarta-feira, 8 de agosto de 2018

PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DAS FLORES

Ygor da Silva Coelho


Foto de Ygor Coelho.

Um amigo me passou pela internet a canção "On the street where you live" (A rua onde você vive), uma música romântica que pouco tem a ver com o que vou escrever, mas me levou a pensar nas ruas das cidades em que moro.
Divido-me entre Salvador e Cruz das Almas e confesso que adoro as minhas cidades. Uma pela sua história, cultura, arte e paisagens únicas. A outra pelos ensinamentos agrícolas que pautaram a minha vida profissional. Se as admiro por um lado, lamento por outro. Lamento a indiferença da maioria dos que nelas habitam em relação ao cuidado com o ambiente, com o espaço público e a paisagem.

Foto de Ygor Coelho.Em Salvador, ao lado do meu edifício, vejo um síndico devastar a mata de uma encosta para abrir um acesso até o mar. Anonimamente, tento corrigir a devastação do síndico, semeando o que me é possível. Após um tempo, com minha determinação e teimosia, no terreno antes limpo, moradores e funcionários do prédio já colhem mamão, brevemente colherão limões, maracujás e, no futuro, mangas. Julgo que acreditam piamente que as plantas e frutas surgiram por obra dos pássaros ou da natureza. Deixo que pensem!
Quinzenalmente saio da capital, volto para o interior. A pequena cidade que me adotou desde garoto, hospeda vasta gama de intelectuais, é sede de uma universidade federal, de renomadas faculdades e de um centro nacional de pesquisa. Nela, apesar dos esforços dos administradores para embelezar as vias públicas, não temos um jardim. Temos praças. Reformadas nos últimos anos e muito bonitas, por sinal. Mas não suficientes para nos definir como uma sociedade paisagística. As casas são arrodeadas por muros, árvores são arrancadas por motivos vários: segurança, insensibilidade, sub intelligentsia....
Grandes paisagistas passaram por nossa Escola Agronômica, dentre eles os Professores Geraldo Carlos Pereira Pinto e Grimaldo Paternostro. Professor Geraldo trouxe-nos de Juazeiro-BA, há 40 anos, mudas de árvores que ainda sobrevivem nas ruas, proporcionando verde, ar puro e sombra. O mestre Geraldo também foi quem idealizou, executou e plantou para a Odebrecht o Caminho das Árvores, bairro nobre de Salvador, caracterizado por suas alamedas: Alameda das Espatódeas, Alameda dos Flamboyants, dos Eucaliptos, Umbuzeiros, Algarobas, Cajazeiras, Sombreiros, Carolinas...
Mas as lições e os exemplos ficaram para trás na memória e na teoria. Quantos exerceram a prática, como fizeram os mestres citados?

Foto de Ygor Coelho.

Aliás, tenho que pedir perdão ao mestre Paternostro. O projeto paisagístico da Avenida Paralela em Salvador, destruído pelo crescimento da cidade, sempre foi citado, e assim também eu o considerava, como sendo obra do renomado Burle Marx. Hoje, surpreso e orgulhoso, leio na coluna de Dimitri Ganzelevitch, escritor e fotógrafo francês radicado na Bahia, que o paisagismo da Paralela foi obra do caríssimo professor Paternostro. "Atribuir a Burle Marx é lenda!" Palavras de Dimitri, que o amigo George Waxman discorda em parte.
Devo convencer-me que vivo numa sociedade não paisagista, indiferente à beleza de uma mata, como a de Cazuzinha, em Cruz das Almas. Indiferente ao fato de que viver numa bela e limpa cidade gera todo tipo de benefício. E lucro! Para a saúde, o bem estar e para a economia local.
Foto de Ygor Coelho.Eu não tenho habilidade para as flores, mas milhões de árvores já plantei. Basicamente frutíferas. Um dia sonhei fazer da BR101, no trecho de 30 quilômetros entre as cidades de Governador Mangabeira e Sapeaçu, um bosque de mangueiras. Um túnel como o bambuzal que nos encanta no aeroporto de Salvador. Recebi apoio da Top Engenharia e a cada dez metros, de um lado e do outro da pista, plantamos mudas de manga. Foram seis mil mudas preparadas na Embrapa. Não sei se restam 30. Algumas podem ser vistas no trecho da Faculdade FAMAM, outras na localidade do Ponto Certo. A maioria o fogo consumiu no verão ou o machado destruiu no inverno.
Foto de Ygor Coelho.

Mas vamos tocando em frente... Gostaria de sugerir que a Embrapa adotasse um jardim em Cruz das Almas, cidade que a hospeda. Que alguma empresa adotasse a Praça da Rodoviária. Não estaríamos fazendo nada por outros. Sim por nós mesmos. Valorizando a nossa aldeia. Como disse Tolstói: "Valorize a tua aldeia e serás universal!"
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Pra não dizer que não falei das flores...
Há exceções, sim! Há Gente sensível na minha terra. Não somos uma Gramado, não somos Campos do Jordão, mas há os que amam tanto o verde que se dão ao trabalho de acariciar as árvores. Com laços, com lenços, com uma rega, água fresca! Que bom os bons exemplos existirem!

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