quinta-feira, 28 de novembro de 2024

ESPLENDOROSA DECADÊNCIA

Foto: D.Ganzelevitch

Qual é o ruído mais familiar desta cidade mágica senão o das quatro rodas de dez mil malas arrastadas pelas ruas por belgas, colombianos e coreanos desde a alvorada até tarde na noite? As praças funcionam como imensos receptivos de hotéis de uma, duas, três, quatro ou cinco estrelas.

São fabulosos palácios góticos, barrocos e neoclássicos, oferecidos em fatias ou por inteiro, são casinhas mais modestas divididas em quarto e sala. Quem é daqui se todos se vestem da mesma forma? A diversidade na similitude. Eles vêm dos cinco continentes, riem, se emocionam e se espantam em cem idiomas.

De noite, nas janelas enfeitadas por pesadas cortinas de antigos veludos adamascados, brilham lustres de Murano. Cúpulas e torres de igrejas são iluminadas em eternos rituais. De dia cantam os sinos.

Realizo um desejo de adolescente, perambulando por Veneza, enquanto meus pais, convidados, se enfurnavam no festival de cinema. Morar nesta cidade irreal onde os passeios são cais e as avenidas, rios; onde carro particular, ônibus, caminhão de mudança e taxi são e sempre serão barcos, era sonho nem tão secreto.

 Nossa toca se esconde numa rua estreita e silenciosa do Canaregio, longe do tsunami de turistas que tudo fotografam e nada veem. Aqui não tem loja de suvenirs nem pizza quilométrica. Tem a padaria onde compro pão, a loja de verduras e frutas com as melhores peras e uvas da Itália e a banca de peixes à beira do canal que, neste fim de ano, transborda e nos obriga a andar de botas. Almoçamos com Vivaldi, seppie con polenta e Scarlatti, jantamos com zuppa de pesce, Tintoretto e Veronese, sonhamos com Carpaccio, Ticiano e tiramissu, e na Piazza San Marco, tomamos chocolate quente no Florian. A orquestra – piano de cauda, violino, acordeão e contrabaixo – toca “Por una cabeça” e com os últimos raios do sol, brilham os ouros dos mosaicos do Duomo.

No fim do dia, após exaustivas visitas a tesouros bizantinos, medievais e setecentistas, sentamos no terraço do boteco vizinho para beber um sprite, que virou bebida nacional. Observamos as gaivotas pousadas na beira do canal a catar alguma migalha de pão, um peixe distraído, antes de desaparecerem nas nuvens do anoitecer.

Veneza é decadente, dizem. Mas, observando os Guardi e os Caneletto da Ca d´Oro, nota-se que, já no século XVIII, o surreal arquipélago era decadente. Bem na frente do Palácio ducal, acampavam vendedores de peixe, legumes e frutas debaixo de panos sujos e rotos. Nos canais, improváveis embarcações serviam de moradia a famílias inteiras. Os aristocratas passeavam mascarados no meio da plebe. Mas quem pode afirmar que malandros não se aproveitavam também do anonimato?

Veneza será esplendorosamente decadente ainda por alguns séculos.


Dimitri Ganzelevitch

A Tarde, sábado30 novembro 2024

 

 

 

 

SEU GARÇOM FAÇA O FAVOR DE ME TRAZER DEPRESSA



Paulo Ormindo de Azevedo
Assim entrava Noel Rosa cantando nos botequins. Uma das funções mais importantes dos bares é sociabilizar os espaços públicos, com suas mesas nas calçadas. Estive, na semana passada, no Rio de Janeiro e pude mais uma vez curtir essa sensação com amigos, na orla de Copacabana, cantada por Braguinha e Caymmi.
Salvador não tem calçadas. São mesquinhos e esburacados os passeios da nossa cidade, mas as pistas dos carros são impecáveis, frequentemente recapeadas. Nos bairros populares de casas, onde ainda existem relações de vizinhança, como Saúde, Ribeira e Liberdade, muitos bares colocam mesas e cadeiras na pista, à noite, que não prejudicam em nada a mobilidade veicular nesses bairros.
É muito diferente dos bairros da classe média alta verticalizados em que o espaço público é a terra de ninguém e seus moradores entram e saem de carro apressadamente dos prédios. Não temos também redes de vias exclusivas para bicicletas e patinetes elétricas numerosas em outras cidades, só pistas engarrafadas de carros e passarelas quilométricas para os pedestres. Os viadutos, que dominam a cidade, não têm passeios, são vias socialmente asséptica. As ruas perderam a função de convivência social.
Nem na Orla da Av. Otávio Mangabeira se pode caminhar à noite.
Que diferença das orlas de Santos, de Ponta Verde em Alagoas e Tambaú em João Pessoa. O planejamento na Bahia se resume ao orçamento, para aumentar a arrecadação e pagar as empreiteiras e aos funcionários públicos em dia. Planejamento territorial, urbano e parques são considerado desperdícios, só o que interessa é fazer obras para assegurar o financiamento da próxima campanha eleitoral.
Outro meio de sociabilidade urbana são as feiras. Na cidade de São Paulo, a Prefeitura fecha ruas para a realização de feiras semanais em todos os bairros, onde os moradores se encontram para comprar verduras e frutas ou simplesmente para jogarem conversa fora sentados em bancos saboreando pastéis e suco de cana. Salvador acabou com as feiras nos bairros e a tradição das festas religiosas das paróquias com barracas e mesas alegando que atrapalhavam o trânsito.
A Prefeitura com seu culto ultrapassado ao carro, na contramão de todo o mundo, está transformando Salvador em um complexo rodoviário, sem vida social e cultura urbana. Os bares de calçada humanizam as ruas e promovem a vigilância social. O que dá vida e segurança às ruas e praças do primeiro mundo são esses bares.
A mentalidade rodoviária está tão impregnada na Bahia, que o Ministério Público, MP-BA, deu 60 dias à Prefeitura de Salvador para apresentar um plano contínuo de fiscalização do uso de calçadas por bares e restaurante diante de “graves problemas de mobilidade urbana que são verificadas em diversos bairros de Salvador” (A Tarde, de 07/11/24). Lastimável!
PS - Melhor que prefeitura fiscalizasse os carros com caixas de som enormes nas conveniências dos postos de gasolina e circulando pela cidade.
SSA: A Tarde, 24/11/2024

PASTORES ENGANAM FIEIS

 

Ruanda acusa pastores de enganarem fiéis e vai taxar igrejas

Proliferação de igrejas neopentecostais no país africano levou governo a acusar pastores de “espremerem dinheiro” de ruandeses


Divulgação/X
Imagem colorida mostra o presidente de Ruanda, Paul Kagame - Metrópoles

Todos os domingos em Kigali, a capital de Ruanda, pequena nação da África central, cristãos elegantemente vestidos vão às igrejas para assistir aos cultos, nos quais cantam, oram, ouvem sermões e fazem ofertas, principalmente em dinheiro.

A quantia arrecadada com essas ofertas costuma ser usada para pagar as despesas de funcionamento da igreja e os salários dos que para ela trabalham. Em Ruanda, igrejas não pagam impostos.

Porém, se os planos do governo forem aprovados, elas poderão ser obrigadas a pagarem impostos sobre as ofertas em dinheiro dos fiéis. O projeto de lei para isso já teria sido concluído pela agência encarregada de regulamentar as organizações religiosas, o Conselho de Governança de Ruanda (RBG), informou a imprensa local.

Segundo o censo de 2022 de Ruanda, mais de 90% da população do país se identifica como cristã. Entretanto, a proliferação de igrejas neopentecostais, que muitos críticos acusam de visar os pobres com a pregação da teologia da prosperidade, tem levado o governo do presidente Paul Kagame, que governa Ruanda com mão de ferro desde 1994, a agir contra as igrejas.

Regular em vez de taxar?

A ativista e advogada Marie Louise Uwimana disse ser contra a taxação das ofertas e do dízimo, argumentando que esse dinheiro é usado para pagar as despesas da igreja, assim como obreiros e pastores. “Em vez de tributar as igrejas, o governo deveria criar regulamentações e leis para colocar esse setor na linha e evitar que alguns líderes religiosos possam extorquir fiéis inocentes e desavisados”, afirma.

O RBG fechou quase 8 mil igrejas e mesquitas após um processo de avaliação, sob o argumento de que muitas não cumpriam os padrões de infraestrutura, como protocolos de segurança, e outras estariam operando ilegalmente.

As igrejas estão lucrando com seus seguidores?

“Eles vão começar a taxar as igrejas, que não têm fins lucrativos, mas querem taxá-las porque acham que elas estão lucrando às custas das pessoas”, comenta o jornalista político Ivan Mugisha. “Então o governo agora está tentando cobrar impostos de pessoas que exploram pessoas? Isso meio que não faz sentido.”

Para Mugisha, a repressão às igrejas é mais uma medida autoritária do presidente Kagame. Segundo o jornalista, muitos líderes religiosos estão insatisfeitos com a decisão. “Alguns deles que expressaram sua opinião foram mandados se calar. Então, isso está acontecendo porque todos se calaram, porque você sabe que, se disser algo, sua igreja estará em apuros.”

Os motivos de Kagame

Kagame há muito tenta regulamentar as igrejas, acusando alguns pastores de “espremerem” fiéis pobres “até o último centavo”. “Para dizer a verdade, essas igrejas que aparecem por todo lado existem apenas para espremer até o último centavo de ruandeses pobres, enquanto os donos delas enriquecem”, disse Kagame.

Então a ação do governo de Ruanda contra as igrejas é justificada? “De certa forma, o governo ultrapassou uma fronteira quando se trata de liberdade de culto e expressão”, diz Mugisha. “Mas sempre há uma justificativa para tudo, por exemplo [o governo] diz que as igrejas estão controlando e confundindo pessoas.”

O governo de Ruanda também quer que os líderes religiosos obtenham pelo menos um diploma de bacharel antes de serem autorizados a subir ao púlpito.

Vai funcionar?

“A ideia de tributar as igrejas não funcionará”, comenta o estudante universitário Charles Kamanzi. “O governo pretende coibir a extorsão por esses líderes de igrejas e igrejas que estão recebendo muito dinheiro dessas pessoas. A ideia pode ser boa, mas como ela será implementada?”, questiona.

Ele argumentou que outras igrejas, como a Católica, a protestante e demais igrejas tradicionais, têm escolas, hospitais e outras instituições de interesse público que administram. “Elas também serão tributadas? Acho que não. Isso torna a tributação desigual. Então quem será tributado? É muito difícil de entender”, disse o jovem de 24 anos, acrescentando que a ideia de taxar mostra o fracasso do governo em regulamentar as igrejas.

“Quando as pessoas se unem a grupos religiosos, não se trata apenas de manipulação, mas de sua fé”, diz Mugisha, enfatizando que atacar a fé das pessoas “significa restringir uma liberdade muito especial que elas têm”.

AGRESSÕES NA BYD

 

Denúncia: operários chineses estariam sofrendo agressões em fábrica da BYD na Bahia

Área em que está sendo instalada a fábrica da montadora chinesa de carros elétricos BYD, em Camaçari, na Bahia

Uma mulher franzina equilibra uma tábua de madeira atrás do pescoço para carregar, sem perder tempo, dois baldes pesados. Um grupo de seis trabalhadores é transportado até o canteiro de obras em um carro de passeio, com um deles sendo levado dentro do porta-malas. Em um cooler pequeno, daqueles usados para manter a temperatura de cervejas e refrigerantes, é servida uma sopa para centenas de trabalhadores famintos, após uma longa jornada de trabalho.

Agressões físicas, com chutes e pontapés. Alojamentos sujos, aglomerados, mal iluminados e sem divisão entre homens e mulheres. Banheiros imundos, sem limpeza diária das pias e dos vasos sanitários. Operários atuando sem equipamentos de proteção individual, submetidos a rotinas de 12 horas por dia, de domingo a domingo.

Todas essas situações, de acordo com denúncias que a Agência Pública recebeu, estariam acontecendo dentro do canteiro de obras da empresa chinesa BYD, que está instalando uma fábrica de automóveis elétricos na cidade industrial de Camaçari, na Bahia. 

Em março deste ano, com amplo apoio do governo do estado, comandado por Jerônimo Rodrigues (PT), a montadora asiática oficializou um acordo para construir sua primeira fábrica no Brasil. O terreno é o mesmo que foi ocupado pela Ford por quase 20 anos, até a empresa decidir encerrar suas atividades de maneira definitiva no país. 

Com a saída da BYD dos EUA, o próprio governo da Bahia comprou o terreno de 4,6 milhões de metros quadrados e o revendeu à empresa pelo valor de R$ 287,8 milhões, de acordo com dados oficiais divulgados à época da negociação.

No ato de assinatura do contrato, o governador Jerônimo esteve acompanhado do presidente da BYD Brasil, Tyler Li, e do conselheiro especial da companhia chinesa, Alexandre Baldy, além de outras autoridades políticas locais.

De acordo com documentos e informações obtidas pela Pública, para a construção da fábrica, a BYD contratou cerca de 470 operários chineses de três empresas de seu país. O Jinjiang Group faz o serviço de terraplanagem, que é a preparação da área para o início das obras e, em média, utiliza 280 funcionários, segundo os documentos. 

A Open Steel é responsável pela montagem da estrutura metálica da fábrica e mantém cem chineses trabalhando nessa função. Por último, a AE Corp tem como responsabilidade montar a estrutura metálica interna, onde serão produzidos os carros elétricos. Cerca de 90 chineses trabalham nesse setor atualmente.

Por que isso importa?

  • A reportagem denuncia condições degradantes de trabalho de funcionários chineses da primeira fábrica de carros elétricos do Brasil. A BYD está instalando uma fábrica de automóveis elétricos na cidade industrial de Camaçari, na Bahia.

Chineses são agredidos e não têm acesso à água, segundo denúncia

De acordo com fotografias, vídeos e áudios a que a Pública teve acesso, as situações mais degradantes teriam acontecido com os funcionários do Jinjiang Group. O material indica uma série de maus-tratos e descumprimentos a convenções internacionais de trabalho e segurança.

Nas imagens, dá para ver operários bebendo água salobra das poças formadas no canteiro, já que não teriam acesso a água potável. Alguns trabalham descalços ou sem os capacetes obrigatórios para proteção individual durante as obras.

A reportagem recebeu vídeos e áudios com relatos de agressão enviados por funcionários que pediram para ter suas identidades protegidas. Funcionários entrevistados sob condição de sigilo confirmaram essas denúncias. De acordo com eles,  os mestres de obras, também chineses, por mais de uma vez, teriam golpeado os operários com pontapés e socos. Um dos casos aconteceu em 9 de outubro, de acordo com as denúncias. Um vídeo registra o momento em que um chinês aparece caído no chão depois de, segundo relatos, ter levado um chute pelas costas.

O caso não seria isolado. De acordo com as fontes ouvidas, seria costumeiro ocorrerem cenas de violência quando há descumprimento de ordem ou demora na execução das tarefas.

Segundo reportagens publicadas por diversos veículos que acompanham o avançar das obras, a expectativa da montadora chinesa era finalizar a primeira fase das obras no fim deste ano, com a instalação de 26 novas estruturas, entre galpões de produção, pista de testes e outros equipamentos. Com a primeira etapa finalizada, já seria possível produzir 150 mil veículos por ano, de acordo com dados oficiais da BYD.

Entretanto, de acordo com uma fonte ouvida pela reportagem, houve um atraso e o novo prazo estimado é de finalização da primeira etapa em janeiro de 2025. Isso explicaria a pressão exercida sobre os funcionários chineses, resultando nos castigos físicos frequentes relatados à reportagem.

Na empresa AE Corp há outras denúncias de violações em nome da celeridade de entrega dos prazos. Segundo as fontes ouvidas pela Pública, o refeitório para alimentação foi montado no mesmo local de trabalho – o que configuraria jornada continuada, pois não há tempo para descanso. 

Os brasileiros relatam que os chineses têm enorme dificuldade de comunicação para formalizar algum tipo de denúncia, pois eles não entendem o português, assim como os brasileiros também não conseguem se expressar em mandarim, cantonês ou nenhum dos outros cinco idiomas falados na China.

Funcionários estrangeiros têm mesmo direito que brasileiros

De acordo com as fontes ouvidas, os funcionários brasileiros que trabalham na montagem da fábrica da BYD na Bahia não estão submetidos ao mesmo regime precário de trabalho dos chineses. 

Os funcionários brasileiros cumprem uma carga horária das 8h às 18h (na BYD), com uma hora de descanso para refeição. Nas demais terceirizadas – no Jinjiang Group, Open Steel e AE Corp –, a carga horária seria das 7h às 17h, com duas horas de almoço. 

“Mesmo quando os chineses trabalham em funções administrativas, são submetidos a jornadas mais intensas que os brasileiros. Como precisam responder a processos para a matriz chinesa, muitas vezes trabalham de madrugada para se adaptar ao fuso horário de 11 horas que separa os dois países”, disse um funcionário que falou em condição de anonimato com a reportagem. 

Em média, são 590 funcionários nacionais trabalhando na montagem da fábrica. A maior parte está distribuída na BYD e no Jinjiang Group. A empresa AE Corp, que monta a estrutura metálica para a produção dos carros elétricos, não possui funcionários brasileiros.

A advogada Ana Paula Studart, especialista em direito trabalhista, lembra que a Constituição brasileira assegura aos trabalhadores estrangeiros os mesmos direitos dos brasileiros, como ao 13º salário, adicional de férias, 30 dias de férias remuneradas, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e cumprimento de jornada de trabalho constitucionalmente prevista. Isso vale até mesmo para estrangeiros que atuem em multinacionais instaladas no Brasil.

“Vale destacar que, conforme previsto no artigo 358 da CLT, sobre equiparação salarial, os trabalhadores brasileiros e estrangeiros que exerçam a mesma atividade têm direito ao mesmo salário. Trata-se, aqui, de clara proibição a discriminação salarial”, pontua. 

Studart reforça que, além dos direitos trabalhistas, as empresas devem zelar por itens relacionados à saúde e segurança dos seus funcionários, além de cumprir a jornada de trabalho de até 44 horas semanais, estabelecida na Constituição.

“As empresas devem seguir as normas de saúde e segurança do trabalho para proteger seus funcionários. Isso inclui a implementação de programas de prevenção de acidentes, equipamentos de proteção individual, a realização de treinamentos periódicos para os funcionários e a realização de exames de saúde ocupacional. Tudo isso é indispensável para uma adequação aos âmbitos trabalhistas das empresas estrangeiras”, diz.

Em caso de violação das leis trabalhistas, os estrangeiros podem buscar apoio no sindicato que representa a categoria, bem como no Ministério do Trabalho, ou no Ministério Público do Trabalho (MPT) para eventuais reparações.

Maus-tratos teriam começado logo depois do início das obras

As obras no terreno de Camaçari começaram em março deste ano. De acordo com os relatos de funcionários ouvidos, em abril, ou seja, um mês desde o começo da montagem, já havia relatos de violações a direitos trabalhistas de funcionários chineses.

A reportagem procurou a empresa sobre as denúncias. Em nota, a BYD disse que opera há 10 anos no Brasil “cumprindo rigorosamente as leis locais”.  A montadora disse ainda que “as obras da fábrica em Camaçari, na Bahia, atendem todas as normas legais, incluindo a licença de instalação obtida em 2024 e aprovada pelo governo do estado”, além de ressaltar que fez um investimento de R$5,5 bilhões, com potencial para gerar “mais de 20 mil empregos”.

Na nota, a BYD informa ainda que a JinJiang Construction Group é a construtora responsável pelas obras. E, por ser um tipo de edificação muito específica, “atua em diversos países onde a BYD expande operações”.  A BYD, no entanto, não respondeu especificamente sobre as denúncias de violência.

No dia 11 de novembro deste ano, a Polícia Federal e o MPT estiveram no canteiro de obras para uma vistoria das condições de trabalho, mas não chegaram a ir aos alojamentos ou percorrer todo o espaço de montagem da fábrica, segundo fontes ouvidas pela reportagem.

Procurado, o MPT confirmou a inspeção na planta da fábrica. Segundo o órgão, há um inquérito em andamento para apurar informações sobre “saúde e segurança do trabalho” dos operários. A visita ocorreu com a presença de um procurador, um perito e servidores, além da escolta da Polícia Federal.

“Tem um inquérito em andamento. O relatório ainda não está pronto e deve ser anexado a ele. Denúncias nos ajudam a iniciar a apuração. Neste caso, há uma investigação que terá que chegar a uma conclusão”, respondeu o órgão, via assessoria de imprensa.

Questionada sobre a inspeção do MPT, a BYD disse que a vistoria “apontou a necessidade de ajustes pontuais na operação”. E que, as inconformidades já foram identificadas, com exigências que a JinJiang “atuasse na correção com urgência”. A empresa não especificou quais seriam estas correções.

A Polícia Federal e o governo da Bahia também foram procurados, mas não responderam até a publicação. 

No dia 2 de dezembro está prevista uma visita da CEO da BYD, a chinesa Stella Li, à Bahia. Durante o evento, com a presença esperada do governador Jerônimo Rodrigues, será anunciado um novo aporte de R$ 3 bilhões da montadora chinesa para ampliar a estrutura inicialmente prevista.  

Pública apurou que está havendo uma mudança na estrutura dos alojamentos dos funcionários para essa visita, que será acompanhada por jornalistas convidados a percorrer o canteiro de obras.