No fim do
ano passado, tive a insensata veleidade de concorrer a um edital da Fundação
Gregório de Matos para editar uma coletânea de crônicas minhas, publicadas em
vários jornais e revistas ou inéditas. Achei curiosa a cláusula de reter setecentos
exemplares de uma tiragem de mil. Mas os caminhos de Deus são insondáveis.
O ilustrador/humorista/poeta
Nildão assinaria a capa de “Minha vida de jasmim” assim como a apresentação. O
livro seria dedicado ao arquiteto professor Paulo Ormindo de Azevedo que tanto
me incentivou na dita publicação, ao cineasta Bernard Attal, indulgente
apreciador de meus escritos e ao professor Waldemar Silvestre que nunca
demonstrou cansaço ao corrigi-los desde os longínquos tempos da Gazeta
Mercantil.
Já me imaginava
cavalgando no Olímpio dos Gênios, entre Shakespeare, Camões, Omar Khayan e
Machado de Assis. Assim que a derrota foi silenciosamente sofrida, restando-me
o consolo de conviver entre tantas outras obras-primas jamais reconhecidas.
Muito me
intrigou a explicação dada pelos juízes: Meus textos eram demasiadamente descritivos.
Marcel Proust e Virginia Woolf nem sabem a sorte que tiveram em não ter passado
por tão severos crivos.
Também fui
acusado de ser exageradamente autobiográfico. É verdade. Mea máxima culpa. Quando
falo de aventuras e andanças, ouso assumir minha interpretação dos momentos e
monumentos. O escritor que nunca descreveu suas tristezas, e seus entusiasmos que
jogue a primeira pedra. Érico Veríssimo ao falar de sua viagem pelo México,
José Saramago descrevendo meticulosamente suas andanças por Portugal também pecam
por escandaloso egocentrismo.
Quem
escreve, seja genial ou medíocre, nunca faz outra coisa senão falar de si, de
sua visão do mundo, de sua relação com os outros ou de suas opções políticas.
Não tive
melhor sorte ao ver abocanhado meu projeto (e consequente realização) de treze Concursos
de Carros de Cafezinhos em 20 anos de teimosas batalhas.
Muitos de
meus amigos sabem as lutas que enfrentei a cada nova empreitada. Convencer
empresas de café a colaborar, encontrar financiamento para as garrafas térmicas,
o açúcar, o leite em pó, o chocolate e os copinhos de plástico, foi cada vez
percorrer uma longa e penosa gincana. Até os mocós de palha eram encomendados
na Feira de São Joaquim, na clara proposta de contribuir para o artesanato
tradicional. Na maioria das vezes acabava completando o orçamento com o meu
próprio bolso.
Tenho pelo
menos a desmedida satisfação de ter contribuído ao reconhecimento desta
importante expressão de cultura popular baiana e dignificação de uma camada
social tão ignorada como os intocáveis da Índia, sem nunca ter lucrado nem que
fosse um pacote de açúcar. Questão de ética. Ou de pudor.
Relato necessário que precisa ser lido por muitos, principalmente por aqueles que participaram do júri valendo-se de uma justificativa inoportuna. Mas eles não devem conhecer os grande escritores que relataram suas vivências sem torná-las ficção. Os inúmeros livros de escritores consagrados são do conhecimento dos que apreciam a boa literatura. Força, Dimitri, não desanime.
ResponderExcluirAcho importante você colocar as justificativas do parecer que reprovou a proposta, assim conhecemos a fragilidade desse sistema de editais. Quanto aos exemplares que seriam retidos, é um ascinte para o autor, sem falar que os 700 que ficariam na prefeitura, nem teriam a distribuição desejada. Não há qualquer reconhecimento do papel que determinadas pessoas como você tem, tanto na defesa do patrimonio cultural, quanto nos projetos que desenvolve no bairro do Santo Antônio, com destaque ao dos carrinhos de café.
ResponderExcluirParabéns, Dimitri, por esta bela crônica, trazendo ao público um sem-número de verdades, que só aparecem nos cafundós das comissões julgadoras, em concursos de literatura.
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