“Não tenho tempo, estou atrasada! ” Tal o
coelho de Alice no País das Maravilhas, ela nunca tinha tempo para perder
comigo. Bater papo, fofocar, refazer o mundo, confessar angústias ou esperanças,
nunca foi sua praia. Sumia. Durante semanas, meses, anos. Minhas frustrações de
amigo? Problema meu.
Fomos
companheiros de muitos delírios e tempestades. Pouco depois de ter aberto minha
Galeria Flexa no primeiro andar do Mercado Modelo, ela veio montar a butique
que iria atrair todo o afro-american
tourism durante anos. Fiz a decoração da loja do Pelourinho e da loja de
Porto Seguro, sempre num estilo bem “étnico”. Até o Y da Goya, foi sugestão
minha.
Encontrei a
dignidade de uma família exemplar da aristocracia negra da Bahia. Conheci a mãe,
conheci o tio, soube do pai o engenheiro da Petrobrás Hamilton de Jesus Lopes,
assassinado por não compactuar com falcatruas, conheci a trajetória desta
artista, arredia ao sucesso fácil, sem oba-oba, sem alpinismo.
Goya Lopes
deve o reconhecimento de sua obra única e exclusivamente ao seu trabalho, na
verdade mais incansável formiga que apressado coelho.
Criou as
camisetas do Zambiapunga que levei a Rabat para o Festival dos Ritmos do Mundo.
Ainda me lembro do diretor do evento perguntar: “O que têm seus brasileiros que
só se fala neles? Estão por toda parte! ”. É verdade que os quarenta
pescadores, garis, estudantes e porteiros de Nilo Peçanha esbanjavam alegria
nas suas vistosas camisetas amarelas. Mexeram com o conservadorismo marroquino.
Também me ofereceu
as camisetas da Associação Cultural Viva Salvador - aliás empreitada sugerida
por ela - e do Concurso de Carros de Cafezinho. Tenho almofadas da Didara.
Tenho serviço americano da Didara. Tenho uma linda calça branca da Didara que
uso religiosamente a cada réveillon, tenho elaboradíssimos panos que enfeitam a
vitrine de minha galeria da rua Direita de Santo Antônio, panos que recuso
vender pelo menos duas vezes por dia...
Quarenta e
cinco anos que acompanho a trajetória, a criatividade de Goya Lopes. E não
conhecia a quarta parte da enciclopédica produção desta mocinha de traços finos
parecendo uma porcelana de Meissen.
A Exposição
no Solar do Unhão é um murro, uma surra de pesquisa, inteligência, labor e
talento. Um imenso varal invadiu a capela, a fachada, o salão nobre. Imensos
painéis levemente agitados pelas brisas do tempo. Desde os primeiros passos,
resultado dos anos de estudos em Florença até as recentes ilustrações de
livros, sempre com temáticas de cultura africana, mas sem o ranço que muitas
vezes acompanha estas determinações de pertencimento. Toda a obra de Goya é
impregnada de elegância, do desejo de conquistar pela sedução da cultura
ancestral.
E como
consegue!
Dimitri Ganzelevitch
A Tarde, sábado 26 de abril 2025

Excelente texto e muito merecido.
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