terça-feira, 22 de abril de 2025

UMA LONGA CONSTRUÇÃO



 “Não tenho tempo, estou atrasada! ” Tal o coelho de Alice no País das Maravilhas, ela nunca tinha tempo para perder comigo. Bater papo, fofocar, refazer o mundo, confessar angústias ou esperanças, nunca foi sua praia. Sumia. Durante semanas, meses, anos. Minhas frustrações de amigo? Problema meu.

Fomos companheiros de muitos delírios e tempestades. Pouco depois de ter aberto minha Galeria Flexa no primeiro andar do Mercado Modelo, ela veio montar a butique que iria atrair todo o afro-american tourism durante anos. Fiz a decoração da loja do Pelourinho e da loja de Porto Seguro, sempre num estilo bem “étnico”. Até o Y da Goya, foi sugestão minha.

Encontrei a dignidade de uma família exemplar da aristocracia negra da Bahia. Conheci a mãe, conheci o tio, soube do pai o engenheiro da Petrobrás Hamilton de Jesus Lopes, assassinado por não compactuar com falcatruas, conheci a trajetória desta artista, arredia ao sucesso fácil, sem oba-oba, sem alpinismo.

Goya Lopes deve o reconhecimento de sua obra única e exclusivamente ao seu trabalho, na verdade mais incansável formiga que apressado coelho.

Criou as camisetas do Zambiapunga que levei a Rabat para o Festival dos Ritmos do Mundo. Ainda me lembro do diretor do evento perguntar: “O que têm seus brasileiros que só se fala neles? Estão por toda parte! ”. É verdade que os quarenta pescadores, garis, estudantes e porteiros de Nilo Peçanha esbanjavam alegria nas suas vistosas camisetas amarelas. Mexeram com o conservadorismo marroquino.

Também me ofereceu as camisetas da Associação Cultural Viva Salvador - aliás empreitada sugerida por ela - e do Concurso de Carros de Cafezinho. Tenho almofadas da Didara. Tenho serviço americano da Didara. Tenho uma linda calça branca da Didara que uso religiosamente a cada réveillon, tenho elaboradíssimos panos que enfeitam a vitrine de minha galeria da rua Direita de Santo Antônio, panos que recuso vender pelo menos duas vezes por dia...

Quarenta e cinco anos que acompanho a trajetória, a criatividade de Goya Lopes. E não conhecia a quarta parte da enciclopédica produção desta mocinha de traços finos parecendo uma porcelana de Meissen.

A Exposição no Solar do Unhão é um murro, uma surra de pesquisa, inteligência, labor e talento. Um imenso varal invadiu a capela, a fachada, o salão nobre. Imensos painéis levemente agitados pelas brisas do tempo. Desde os primeiros passos, resultado dos anos de estudos em Florença até as recentes ilustrações de livros, sempre com temáticas de cultura africana, mas sem o ranço que muitas vezes acompanha estas determinações de pertencimento. Toda a obra de Goya é impregnada de elegância, do desejo de conquistar pela sedução da cultura ancestral.

E como consegue!

Dimitri Ganzelevitch

A Tarde, sábado 26 de abril 2025

 

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