Como é belo! Parece uma National Gallery tropical! Inocente,
entrei como quem vai ao cinema. Seria prontamente aspirado por uma força
misteriosa que me levaria por longo corredor desembocando em interminável
rampa. Deslizei até um elevador metálico em direção ao centro da terra. A cada
parada, a porta se abria sobre uma visão diferente: Uma mangueira, um imenso
dormitório de automóveis, uma paisagem urbana coroada por uma igreja
barroca.... Vieram mais corredores e rampas até eu chegar numa pequena sala
onde homens, tão velhos quanto eu, jaziam envoltos em amplos veludos azuis. No
meio da sala, o único adolescente se levantava cada vez que na televisão
colorida aparecia o presidente vestido de general, com todas suas medalhas de eventual
bravura.
Uma enfermeira, gorda e gentil, me pediu para sentar na
cadeira de rodas. Outra, cujo rosto não pude ver, me levou por mais corredores
até outra sala parecendo cenário da Inquisição. Alguém injetou no meu braço
esquerdo um filtro para adormecer. Não sei por quantos anos dormi, sonhando em
campos floridos e música de harpas. O despertar em quarto cinza e ar gelado
seria difícil. Após vinte horas de jejum, meu corpo reclamava por um boi
inteiro. Me foi servido algo parecido com uma sopa de retirante, morna, rala, em caixinha de plástico transparente com colher idem. Depressão
chegando.... Será para isso que pago mensalmente um extorsivo plano de saúde? A
cada instante um novo rosto adentrava a cela, sob pretextos variados, mas do banquete
sonhado, nada! Até meu soro acabou sem que ninguém deste rosário de visitantes desse
alguma solução: ou pendurando nova garrafa ou tirando os penduricalhos
espetados na minha mão esquerda. Assim é que não vou dormir. Continuava a
ciranda de visitas tão estranhas quanto inúteis. A fome me devorava as tripas.
Resolvi descer até a lanchonete comprar algo para não desmaiar. Recusaram: não
tinha autorização médica. Lembrei dos gulags, da ilha do Diabo na Guiana
francesa, do deserto de Atacama...
Comecei então a planejar uma cinematográfica evasão. Vesti sem demora minha roupa de cidadão livre
e, deixando a televisão –imagem péssima – ligada, abri devagar a porta. Ninguém
vigiando. Comecei a andar, andar, andar até a saída sem ser impedido por
uniforme nenhum, e sai pela porta principal para me enfurnar num taxi cujo
motorista, sem suspeitar da fuga, me levou a casa por poucos reais.
Infinita alegria ao abrir a geladeira, pegar dois ovos,
colocar um pouco de azeite doce na frigideira e quebra-los que nem chefe três
estrelas. Sal do Himalaia e merken chileno, duas fatias de pão integral...
Enquanto isso, uma tempestade pairava acima do hospital.
Dimitri Ganzelevitch
publicado n´A Tarde
Sábado 15 de dezembro 2018
Lindo texto, parabéns, ilustríssimo cronista. Seria trágico, se não fosse real. Obrigado também pela oportunidade de ler neste espaço criativo sua crônica publicada no Jornal A Tarde. Lamentavelmente não mais recebo o Jornal A Tarde com suas crônicas, especificamente com suas crônicas, tudo o mais do Jornal A Tarde está mantido, desconfio que o entregador do Jornal A Tarde é seu fã incondicional e se apropria de minha possibilidade de leitura em papel. Resta-me a via virtual. Ainda vou descobrir o que está acontecendo... montarei um plano infalível para investigar o entregador de jornal durante a madrugada...
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