UMA QUINTA-FEIRA GASTRONÔMICA

Nesta quinta-feira 20 de dezembro, aconteceu algo inusitado e divertido. Por razões de trabalho, tive que ir até o largo Dois de Julho onde se encontra a gráfica a quem confio a impressão de panfletos, banners etc.
Como já passava do meio-dia, resolvi não voltar para casa e fui até o muito tradicional restaurante Porto Moreira que ostenta com orgulho, e não é para menos, 80 anos de vida. Para celebrar a data, a diretoria mandou até executar um azulejo comemorativo.
O cardápio é extenso, dentro da culinária baiana com toque galego.

Encomendei uma moqueca completa de miolo. Já sei. Muita gente vai torcer o nariz porque é coisa de pobre, de segunda. Acontece que gosto de miolos, de rabada, de tripas e de língua. Assumo sem vergonha.
Um filósofo grego dizia que língua é a coisa pior e a melhor. Pior porque pode destruir uma reputação, melhor como iguaria.
Alguém discorda?
A moqueca de miolo completa veio acompanhada com arroz, pirão - só chegando ao Brasil descobri os encantos do pirão! - e mais um ovo frito e camarão. 

Levei o tempo preciso para saborear a delícia apresentada sobre o mármore da mesa, observando o povo que ocupa a rua, gente simples esperando o ônibus, vendedores de flores, de frutas, um velho sentado numa cadeira de plástico... Sol, cores e barulhos de cidade grande. Paguei, com água mineral, ambrosia e serviço, uns modestos R$44,00.

Na mesma noite, um casal amigo tinha reservado uma mesa para três pessoas no famosíssimo Origem, Caminho das Árvores. Rua calma, entrada discretamente vigiada por seguranças, dois espaços decorados com sobriedade, público que pode pagar sem analisar a conta. 

Teria apreciado um pouco mais de luz para ver detalhadamente o que estava comendo, e a música ambiente um pouco mais baixa. Mas com serviço impecável e amável, nos foi servido uma sucessão de 14 diferentes pratos. Porções nunca ultrapassando a palma da mão de uma criança, acompanhados por 8 taças de vinhos. 

Ninguém pense que por serem pequenas doses sairíamos com fome. Muito pelo contrário, foi difícil ir até a última garfada da deliciosa sobremesa a base de tangerina.  Sendo convidado, nada sei sobre a conta apresentada, mas deve ser superior ao boteco do largo Dois de Julho.
Não esperem de mim a óbvia e demagógica conclusão que quem sabe comer é o povão. As artes da culinária são tão infinitas que se pode apreciar, com a mesma intensidade, receitas tão opostas como um mocotô e um "Lièvre á la Royale".