quarta-feira, 31 de julho de 2019

EMMA VALLE



Antes de falar desta artista, devemos nos lembrar de outro artista, o argentino Reinaldo Eckenberger que chegou a Bahia em 1965 para estudar canto lírico na então famosa escola de Música da Ufba e, depois de alguns meses no hotel Colonial – hoje Aliança Francesa – foi morar na pensão o “Cartola Internacional” da ladeira de Santa Tereza.  Em espaço limitado por algumas folhas de compensado, o jovem Reinaldo, descobrindo que desafinava, abandou sem demora os estudos musicais. Começou a brincar com diversos materiais, criando peças pouco académicas que muito intrigaram a dona da pensão. Estamos falando de Emma Valle. Assim, de uma coabitação eventual, dois artistas iniciaram um voo tão esplêndido quanto solitário.




O mundo de Emma Valle começa e termina em Salvador, ou melhor dito, no reduzidíssimo espaço do Cartola Internacional, a poucos metros do Museu de Arte Sacra. São orixás, navegadores, casebres e velhas igrejas, baianas de acarajé, ônibus, barcos, fiação elétrica, negros, brancos, mestiços e rastafáris. Tudo devidamente identificado nas costas da obra, assinado e datado mais de uma vez.




“Todo meu trabalho tem uma história. Um deles, por exemplo, conta a história d um burguês que vai pescar num fim-de-semana. Ele pega um peixe muito grande e quase cai na água. Consegue controla-lo e leva para a esposa. ”




Os suportes? Vários e quaisquer. Prato de porcelana quebrado e mal colado, azulejos, tacos, pé de mesa, telas, papelão, tampa de fogão, figurinhas de gesso...



Numa entrevista para o Shopping News em 1976, ela declara: 

“(...) não me considero uma artista cara. Vendo barato, Só não vendo fiado ou a prazo. O preço que cobro condiz com a qualidade do trabalho. 

Eu só trabalho com material bom e por isso meus quadros duram séculos, como os de Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci...”

Naïf, Emma? Nada disso. A ambição dos ingénuos é igualar os académicos e seu charme é de não conseguir. Dona Emma pertence a um núcleo mais profundo, mais atormentado. O mundo dos que vivem um delírio pessoal e trabalham a margem das convenções. 

Aquilo que o pintor francês Jean Dubuffet denominou de “Art brut” em 1945. Aquilo que a psiquiatra Nise da Silveira chamava de Arte do Inconsciente. Aquilo que os anglo-saxónicos definem como “Outsiders”.

Emma Valle talvez seja a maior artista da Bahia.


Dimitri Ganzelevitch
Salvador 30 de julho de 2019.

Nenhum comentário:

Postar um comentário