Carlos Moreno e a cidade de 15 minutos: “Parisienses ficaram felizes com ruas sem carros, mais lojas e jardins”
Moreno é uma pop star do urbanismo: o seu tempo escasso divide-se em centenas de conferências, artigos, consultadorias pelo mundo inteiro. Mas a ideia de base que lhe deu a fama, é bem simples. E o objetivo, ecológico. “A cidade de 15 minutos é um novo paradigma para combater as mudanças climáticas e continuar a viver em boas condições nas cidades”, diz, em entrevista exclusiva à Mensagem. A entrevista foi marcada depois de Moreno ter partilhado no seu twitter o artigo que analisamos Lisboa à luz do conceito. Aceitou porque adora divulgar a ideia que, para ele, se tornou a sua própria vida.
A “Cidade de 15 minutos” nasceu na COP21, o encontro das Nações Unidas que deu origens aos acordos climáticos de Paris, em 2015. “Foi nesse momento que os estados discutiram de forma séria o aquecimento global. E os autarcas também, queriam saber como podiam as cidades contribuir para menos emissões de carbono. As cidades são o maior contribuinte para as emissões de CO2, e, nas cidades, os transportes, claro”.
A resposta de Moreno foi um pouco contra a corrente. Na altura já se falava em mobilidade verde, e outros conceitos menos poluentes. Ele foi mais radical: deixemos de falar de mobilidade, falemos de proximidade, propôs. Se queremos reduzir radicalmente as emissões de CO2 precisamos de parar de andar de um lado para o outro. De reduzir as distâncias que percorremos. E, quando tivermos de as percorrer, que seja com meios suaves e não poluentes, como a pé ou de bicicleta.
O bairro como centro da vida urbana
“Ou seja, não chega desenvolver tecnologias para ter uma mobilidade mais limpa. A ideia é que temos de reduzir, mesmo radicalmente, a mobilidade nas cidades”, explica Carlos Moreno. “A ideia que tivemos foi propor um novo estilo de vida urbano num perímetro curto, para todas as funções sociais essenciais, que são seis: viver, trabalhar, comprar, cuidar, educar e divertir-se. E um grande incentivo à bicicleta.”
O esquema de vida proposto pelo conceito de Carlos Moreno. Imagem: Câmara de Paris
Parece complexo, mas baseia-se, afinal, em algo que todos conhecemos bem. Há, até, uma expressão em francês que o define, Métro, boulot, dodo: a rotina transportes/trabalho e casa… só para dormir. Carlos Moreno, que é um académico, fala de crono-urbanismo. Ou seja, a organização das cidades através do tempo e não apenas do espaço. Do tempo que uma pessoa leva a percorrer uma determinado espaço. Esse tempo tem vindo a esticar-se nas nossas mega urbes, com centros e periferias cada vez mais distantes – propocionados pelo uso do automóvel. Poucos vivem ao pé de onde trabalham, ou estudam, ou fazem o que quer que seja. Tudo o que se faz implica tomar um transporte – e isso implica emitir carbono.
“Quando eu propus esta ideia. Disseram-me: ‘Ah, é muito boa, Carlos, mas é uma utopia!’ Porque não parecia possível propor aos cidadãos trabalhar perto de casa. Ou fazerem tudo no seu bairro… Mas a pandemia de covid-19 veio dar-nos razão. A primeira lição é que devemos viver em maior proximidade. Foi a melhor forma de espalhar este paradigma. E depois todos os autarcas à volta do mundo consideraram que tinham de dar uma nova perspetiva à vida urbana. Para além da Covid 19”.
Atrás da proximidade vêm uma série de ideias essenciais das quais muitas das grandes metrópoles já se esqueceram: o bairro como célula da vida urbana, o enriquecimento do tecido social, a noção de vizinhança, o usufruto do espaço público. “Um bairro não é só uma associação de prédios, mas também uma rede de relações sociais, um ambiente onde os sentimentos e a empatia possam florescer”, explica o urbanista.
Carros contra bicicletas
A presidente da Câmara de Paris, a socialista Anne Hidalgo, percebeu bem tudo isso e fez destas ideias a base da sua política para a cidade. Da primeira vez, durante o mandato. Da segunda, no seu programa eleitoral às eleições da primavera de 2020. “Anne Hidalgo ganhou as últimas eleições, já em pandemia, com este programa”, diz Moreno, com orgulho. Sobretudo depois de, nos primeiros anos a socialista ter sido foi muito criticada: “Ela atreveu-se a impor esta transformação. Mas foi muito, muito impopular. E os vários observadores diziam até que não ia ser reeleita”.
No centro da oposição política estava algo bem comezinho: “Houve uma oposição séria a tudo isto da gente que queria os seus carros, que a acusava de estar a transformar a cidade para as bicicletas. O lóbi automóvel, claro, mas também das pessoas, numa certa oposição irracional, que estavam convencidas que não é possível viver assim na cidade. Há uma parte da população que não está interessada em andar de transportes porque prefere usar o carro para ir trabalhar. Por isso o ponto mais importante é mudar as mentalidades das pessoas para aceitarem que é melhor para trabalhar, ir de bicicleta, ou transporte público, do que ir de carro. Hoje isto é uma realidade. E até nos subúrbios, o uso do carro também diminuiu. As pessoas que usam o carro são menos de 46%. Há 20 anos eram mais que 60%. O mais importante é dar uma perspetiva, oferecer uma visão nova de cidade. Um programa concreto e engajar as pessoas na transformação real. Mesmo que durante um certo tempo sejamos totalmente impopulares. Foi muito complicado.”
A importância do automóvel na cidade é muito mais do que urbanismo. É política e é econonia. Para Moreno, o carro está no cerne da evolução perniciosa das cidades. Como explicava o urbanista num artigo basilar em janeiro deste ano, na revista científica Smart Cities, “os carros mudaram a dinâmica do planeamento urbano, abrindo portas às devastadoras consequências da expansão urbana”.
A cidade sem carroA saber: o decréscimo da qualidade de vida, a diminuição da qualidade do ar, da biodiversidade, o peso sobre a desflorestação (para construção de mais e mais subúrbios, mais e mais estradas), o aumento das necessidades energéticas e as emissões de carbono e o respetivo efeito no clima. Mas também, algo que poucos consideram, o peso secundário nas finanças familiares – nomeadamente no endividamento das famílias para a compra de carro e a sua manutenção – e o aumento das desigualdades sociais.
E o que mudou para a vitória de Anne Hidalgo, no início do ano passado – embora por curta margem, e entre bastante abstenção, por causa da pandemia? “O que mudou foi que ela estava certa”, diz Moreno, rindo. Mais a sério: “Os parisienses ficaram muito contentes porque conseguiram transformar a sua vida do dia a dia. Porque temos coisas muito boas: os parques urbanos, as margens do Sena, as ruas sem carros, mais comércio, as escolas abertas…”
A cidade de 15 minutos, a pé de de bicicleta
Em Paris, a cidade dos 15 minutos está em plena construção. Literalmente. Há obras por todo o lado, a começar nas grandes praças que são tão características da sua planta em estrela. Moreno mostra orgulhoso as fotografias das obras na Praça da Bastilha e como deixou de ser uma rotunda, como se fez uma ligação ao rio, numa escadaria nova do cais do Arsenal. “Estamos a transformar as sete mais importantes praças: Pantheon, Nacion, Bastilha, Madeleine. Italie, Gambetta, Fêtes.“ Para todas há um plano de 44 milhões em que, cada uma à sua maneira, serão devolvidas aos peões.
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