Não nego a importância histórica e arquitetônica da torre. Realmente é um dos símbolos mais fortes de Paris, ao lado do Arco do Triunfo. O entorno onde se situa é lindo. Todavia, confesso que de tanto vê-la, acabei entrando numa espécie de enfado, de sensação maçante de déjà vu. Muitas vezes procuro ficar longe dela, pois sua imagem é avassaladora, pode ser vista de qualquer lugar de Paris. Soa-me estranho que as pessoas queiram se hospedar em um hotel por perto, como declaram aqui, para namorá-la durante todo o tempo que vão passar na cidade.
Acontece que quando moramos em Paris e recebemos pessoas que não a conhecem, elas querem logo ser levadas à torre. Também quando viajamos com amigos ou parentes, somos igualmente obrigados a ciceroneá-los e levá-los ao mais famoso monumento francês. Fiz isso inúmeras vezes. Tanto que me cansei. E assim a torre vai ficando uma coisa tão comum que chega a perder a importância. E descobrimos que a maioria das pessoas que vão a Paris permanecem muito distantes de sua realidade quotidiana. Só imaginam a Paris do luxo, da fantasia, da riqueza, da ostentação, dos perfumes maravilhosos e dos monumentos inigualáveis.
Dos símbolos de Paris continuo preferindo suas ruas - muitas vezes simples - bairros, praças, espaços naturais, restaurantes e museus. No cancioneiro, estes símbolos são muto mais fortes e marcantes. Me emociono quando ouço Charles Trenet cantando “Ménilmontant”. Ou quando escuto “La Seine” de Vanessa Paradis ou, sobretudo, “La Seine” de Jacqueline François. Ou mesmo quando é o céu de Paris que se transforma em motivo da canção, como em “Sous le Ciel de Paris”, de Hubert Giraud e Jean Dréjac. Me emociono mais ainda quando ouço Jacques Brel traduzindo a Paris de sua época através de “Les Prénons de Paris”. Nessa canção Paris não é expressa em seus monumentos e ruas, mas em palavras-chave que traduzem o sentimento de nela viver, o seu verdadeiro espírito. Inicialmente, ela é “o dia”, “o sempre”, “o bom dia”, “o amor”, “o começo”, “a sorte”, “o romance”, “a França”. Em seguida, é “a esperança”, “o espelho”, “a noite”, “o boa noite”, “nós dois”, “teus olhos” e até “tudo o mais que quiseres”, já que ela é maravilhosa. Finalmente vem a síntese, e a paisagem se transforma, pois tudo tem a sua contraposição: Paris é “cinza”, “a chuva”, “o tédio”, “o fim”, “o suspiro”; e é também “o amanhã”, “o caminho”, “o recomeço de tudo”, o lugar que simboliza o retorno, posto que alguém sempre lhe espera. Enfim, existe uma Paris lírica, festiva, mágica, luminosa, a Paris de todos os amores. Por trás das imagens que a representam, no entanto, esconde-se uma Paris dura e sufocante. Esta é a minha Paris, que nunca foi a da Tour Eiffel. Por isso é que, quando escolho um restaurante para almoçar, prefiro os mais simples e festivos, como o “Chez Luizette”, que fica dentro do “Marché aux puces” de Clignancourt, regado por canções francesas dos velhos tempos.
Quando morei em Paris, ouvi uma historinha que me ficou gravada. Fala de um famoso escritor, cujo nome já não me recordo, que almoçava todos os dias num dos restaurantes da Tour Eiffel. Certa vez, um jornalista lhe entrevistou querendo saber do motivo de sua predileção. Ele respondeu, simplesmente: “É para não vê-la!”
Paulo Martins
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