Míriam Leitão
Difíceis escolhas do possível governo Lula
O ex-presidente Lula encontrou o campo arado em 2003 e se beneficiou de um boom de commodities. Mas isso não tira dele os méritos de decisões acertadas na economia. Se ele voltar ao poder, a dúvida que se tem é como será sua condução da economia. Nesse aspecto, a possível dobradinha com o governador Geraldo Alckmin é uma espécie de “carta aos brasileiros 2.0”, ou seja, um aceno ao centro. Se naquela época era importante agradar ao mercado, agora o sinal é para o centro de uma forma geral.
Os petistas popularizaram a expressão “herança maldita” para firmar a lógica daquele tempo que era o da polarização PT-PSDB. Mas o lema não correspondeu à realidade. O governo Fernando Henrique tinha consolidado a estabilização, enfrentado a crise bancária, saído da âncora cambial e instituído as metas de inflação. Depois disso aprovou a Lei de Responsabilidade Fiscal e entregou o país com superávit primário. O país estava preparado para crescer em 2003.
Todo esse trabalho se perderia se o ex-presidente Lula não tivesse tido a sabedoria de manejar a economia com a manutenção das bases do real e a nomeação do recém-eleito deputado Henrique Meirelles para a presidência do Banco Central, que teve independência para agir.
O dólar havia disparado diante da incerteza em relação à política econômica que o novo governo adotaria. Essas decisões de política econômica no início do mandato reverteram o quadro e provocaram a queda do dólar e a redução da inflação. E aí veio um longo boom de commodities. E de novo a política econômica adotada pelo governo petista foi sábia: acumulou reservas cambiais. A Argentina, por exemplo, não teve a mesma sabedoria
A acumulação de reservas do governo Lula ajudou o Brasil a enfrentar todas as crises que vieram a seguir. Tanto a de 2008, o colapso financeiro global, quanto as que aconteceram nos governos seguintes, até o atual. O Brasil seria muito mais vulnerável se não tivesse toda a montanha de dólares que tem no Banco Central.
É importante lembrar esses acertos, para afastar os velhos fantasmas. Lula soube agir certo na economia nos momentos mais difíceis. Contudo, a política econômica do PT acumulou inúmeros erros e eles começaram no segundo mandato do ex-presidente.
A escolha pelo BNDES dos alvos preferenciais de empréstimos subsidiados teve como resultado o oposto do que se espera de um governo de esquerda: concentraram renda. E quem se beneficiou dessa política foram principalmente os maiores acionistas e não o país. A política de controle dos preços dos combustíveis subsidiou a classe média, provocou prejuízos na Petrobras e estimulou o uso de combustíveis fósseis. Gastos excessivos e muitas vezes sem qualidade levaram o país de volta ao déficit primário e, por fim, a manipulação da contabilidade pública fragilizou ainda mais a economia.
Qual Lula governará caso ele vença as eleições, o do primeiro ou o do segundo mandato? Certa vez fiz essa pergunta ao ex-ministro Fernando Haddad e ele respondeu que Lula não teve duas políticas diferentes. Apenas as circunstâncias é que haviam mudado, com a necessidade de expansão fiscal na crise de 2008. Isso é verdade. Porém, em 2010, quando o país já havia retomado o crescimento, o governo continuou essa expansão, com objetivos claramente eleitoreiros.
No confortável favoritismo em que está, Lula não quer evidentemente falar de economia, esse pantanoso assunto. Mas terá que se preparar muito cuidadosamente neste campo e tomar as decisões com sabedoria. Se ele vencer, receberá, agora sim, uma herança maldita.
O país estará em 2023 no décimo ano de déficit primário. O orçamento ficou ainda mais rígido. Será necessário um forte programa social para enfrentar os efeitos de duas recessões e uma longa estagnação em uma década de infortúnios econômicos. O Estado terá que fortalecer órgãos públicos que foram sucateados na demolição que tem sido o governo Bolsonaro. A austeridade não resolverá a crise, o gasto sem critério vai aprofundá-la. Não serão óbvias as escolhas de políticas fiscal e econômica.
Falta ainda muito tempo para as eleições, mas a única vez que Lula atingiu o patamar dos 40% e não venceu o pleito foi em 1994, porque o Plano Real alterou completamente o ambiente econômico, político e social do país. Dificilmente haverá algo tão transformador do cenário, portanto Lula continua sendo o grande favorito das eleições de 2022.
Com Alvaro Gribel (de São Paulo)
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