quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

A MEMÓRIA, A ESCRITA E A HISTÓRIA AMEAÇADAS



Paulo Ormindo de Azevedo

A memória humana é curta. No neolítico para se conservar a memória de um chefe se construía um dólmen ou uma estela. Logo o Homem se deu conta de que era necessário gravar sua memória. Surge assim na Mesopotâmia, em 3.200 aC, a primeira escrita de caracteres cuneiformes feita no barro, depois cozido. Para dar portabilidade à escrita, os egípcios escreviam em hastes batidas do papiro e os gregos e romanos no couro, ou pergaminho.
A escrita, além de preservar a memória, passou a ser um meio de comunicação vencendo grandes distancias: geográficas, através do correio, e do tempo, através da História. Sem escrita não poderia haver História, de tal modo que as civilizações são classificadas como pré-históricas e históricas. A notação musical já era conhecida dos egípcios. A atual feita no pentagrama surge no século VII com o canto gregoriano. O registro da imagem data de 1826 com a fotografia, do som em 1878 com o disco, e do movimento em 1895 com o cinema. Todos eles têm uma base material: pergaminho, papel, vinil e celuloide.
Entre 1945 e 1953 arqueólogos encontraram em potes em 11 cavernas da Cisjordânia rolos de textos bíblicos em hebraico, aramaico e grego, datados entre o século II aC e o ano 70 dC. O fato de estarem em três idiomas e tão bem guardados demonstra a intenção de preservar uma memória e transmiti-la a gerações futuras. O ar seco da região os conservou. O papel em condições normais dura pelo menos 500 anos e temos fotos de 190 anos perfeitas.

Invenção que revolucionou o mundo da gravação completa 70 anos

A gravação magnética foi inventada em 1920, mas só se comercializou a partir de 1946. O suporte magnético é volátil e vídeos e de 50 anos, como os das Copas e a da chegada do homem à lua, são verdadeiros borrões. Discos ópticos, como CD, DVD e Blue Ray, com validade de apenas cinco anos, estão sendo substituídos por pen drives e nuvens. Ninguém mais escreve cartas, só twiters, limitados a 180 caracteres. As novas gerações não sabem construir um discurso, apenas frases soltas. O Word lê para iletrados textos escritos. Meu vivo auxiliar analfabeto se comunica com todo mundo através do whatsapp voice, e não está interessado em aprender a ler. Quando o chamo de uma farmácia e peço para ele soletrar o nome de um remédio ele me diz: vou fotografar e lhe mando!
Mais grave é que a diplomacia se faz hoje por twiter e os processos jurídicos e as carteiras de trabalho estão sendo digitalizados em arquivos controlados pelo estado. Que garantia tem o cidadão de que suas provas não serão apagadas, vazadas ou adulteradas? Nossos dados pessoais e preferências são vendidas pelos cartões de crédito. O que será da História quando os jornais impressos forem todos substituídos por blogs e redes sociais apócrifas? Só restará a História Oficial dos vencedores e uma sociedade digital com Alzheimer. Bem vindos a 1984 de Orwell !

SSA: A Tarde, 11/08/2019

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