sábado, 18 de dezembro de 2021

UM JOVEM POETA

 

O carnaval acabou. Calor pesado. As ruas do centro do Rio cheiram a umidade, mijo, frutas podres, asfalto derretendo. O escritor Orígenes Lessa e sua Maria-Eduarda, portuguesa filha do algarvio conde Marim, velho amigo meu, me desafiam para ir à Bahia onde o filho de Jorge Amado vai casar.

Aceito a sugestão.

Irei no dia seguinte, já que não fui convidado – não haveria razão, já que os noivos não me conhecem – e reservo apartamento no Hotel Vila Romana, na Barra, um bairro excêntrico, calmo e arejado pelos ventos do oceano. Desde as primeiras horas, o pai de Gabriela Cravo e Canela confiou a um jovem poeta a tarefa de desvendar-nos parte dos mistérios de Salvador.

Lembro de uma noite na lagoa do Abaeté, tão parecida então com as canções do Dorival.

Na areia, a luz de pequenas velas pontuava grupos de jovens, cada um com violão e pandeiro, cantando e namorando, felizes e confiantes na noite estrelada de fevereiro.

Lembro de um almoço na Casa da Gamboa, vista sobre a baia azul, dona Conceição oferecendo a quem fazia fila, um elixir inesquecível: batida de pitanga.

Lembro daquele jovem de voz pedregosa, conversador, risonho e mulherengo, que nos levava pelos cinco cantos da cidade e até lá bem longe, no Axé Opô Afonjá com o desbocado e alegre Carybé.

Assim foi minha iniciação à Bahia.

Ontem à noite soube, por várias mensagens no meu computador, que o jovem poeta tinha morrido.

Já sei, passaram-se quase quarenta anos, mas os poetas não continuam eternamente jovens? Também cronista, ele chegou a escrever um texto exageradamente elogioso na Tribuna da Bahia sobre minha careca pessoa.

Nos afastamos, ambos de feitio difícil, nos encontramos novamente, ambos sempre de boa fé.

Não há mais velas acesas nas areias do Abaeté.

Nenhuma sereia azul sairá vestida de luar da lagoa escura rodeada de areia branca.

Mas se os astrônomos passearem seus objetivos para vasculhar o céu das redondezas, estou certo de que encontraram mais uma estrela, a piscar loucamente.

É você, aí, Ildásio?

                                                                                      Dimitri Ganzelevitch                                                                                       Salvador, 1 de novembro de 2010.

Um comentário: