O carnaval acabou. Calor pesado. As ruas do centro do Rio cheiram a umidade, mijo, frutas podres, asfalto derretendo. O escritor Orígenes Lessa e sua Maria-Eduarda, portuguesa filha do algarvio conde Marim, velho amigo meu, me desafiam para ir à Bahia onde o filho de Jorge Amado vai casar.
Aceito a sugestão.
Irei no dia seguinte, já que
não fui convidado – não haveria razão, já que os noivos não me conhecem – e
reservo apartamento no Hotel Vila Romana, na Barra, um bairro excêntrico, calmo
e arejado pelos ventos do oceano. Desde as primeiras horas, o pai de Gabriela
Cravo e Canela confiou a um jovem poeta a tarefa de desvendar-nos parte dos
mistérios de Salvador.
Lembro de uma noite na lagoa
do Abaeté, tão parecida então com as canções do Dorival.
Na areia, a luz de pequenas
velas pontuava grupos de jovens, cada um com violão e pandeiro, cantando e
namorando, felizes e confiantes na noite estrelada de fevereiro.
Lembro de um almoço na Casa
da Gamboa, vista sobre a baia azul, dona Conceição oferecendo a quem fazia
fila, um elixir inesquecível: batida de pitanga.
Lembro daquele jovem de voz
pedregosa, conversador, risonho e mulherengo, que nos levava pelos cinco cantos
da cidade e até lá bem longe, no Axé Opô Afonjá com o desbocado e alegre Carybé.
Assim foi minha iniciação à
Bahia.
Ontem à noite soube, por
várias mensagens no meu computador, que o jovem poeta tinha morrido.
Já sei, passaram-se quase
quarenta anos, mas os poetas não continuam eternamente jovens? Também cronista,
ele chegou a escrever um texto exageradamente elogioso na Tribuna da Bahia
sobre minha careca pessoa.
Nos afastamos, ambos de
feitio difícil, nos encontramos novamente, ambos sempre de boa fé.
Não há mais velas acesas nas
areias do Abaeté.
Nenhuma sereia azul sairá
vestida de luar da lagoa escura rodeada de areia branca.
Mas se os astrônomos
passearem seus objetivos para vasculhar o céu das redondezas, estou certo de
que encontraram mais uma estrela, a piscar loucamente.
É você, aí, Ildásio?
Ildásio por outro jovem poeta!
ResponderExcluir