sábado, 30 de julho de 2016

A CINEMATECA PEDE SOCORRO

Manifesto pela Cinemateca Brasileira – 2016



A Cinemateca Brasileira acaba de sofrer mais uma intervenção. Sua coordenadora-geral Olga Futemma e equipe técnica foram exoneradas, sem sequer terem recebido a comunicação prévia de praxe. O Governo Federal alega que a medida visa promover “o desaparelhamento do Ministério da Cultura” e “valorizar o servidor de carreira”. Olga Futemma é funcionária de carreira, tendo se dedicado à Cinemateca desde 1984, onde se aposentou em 2013. Retornou à Cinemateca como coordenadora há exatamente um ano. Não é filiada a partido político, nem milita politicamente. O seu sucessor, já anunciado, não é servidor público, nem atua no campo da cultura audiovisual. Pela primeira vez, a indicação de um coordenador-geral não partiu do Conselho Curador, violando prática adotada nos últimos 30 anos pelos sucessivos governos.
A maneira abrupta e arbitrária com que as demissões foram conduzidas no Ministério da Cultura (81 no total), atingindo órgãos e grupos de trabalho, revela um açodamento político não condizente com as práticas da administração pública democrática, de graves consequências culturais. Trará risco a acervos, programas, editais, projetos, atendimentos públicos diversificados.
No caso da Cinemateca Brasileira, o panorama é desolador. Como é do conhecimento público, após alcançar reconhecimento internacional, a Cinemateca sofreu uma severa intervenção em 2013, que desestruturou simultaneamente a instituição e sua apoiadora, a SAC – Sociedade Amigos da Cinemateca. Esta tinha sido instrumentalizada pelo Ministério da Cultura no governo Lula como braço executivo da Secretaria do Audiovisual. Uma ruptura entre correntes políticas, que se manifestou no governo Dilma, penalizou a SAC, estigmatizando-a por conta de supostas irregularidades, assim como abateu o diretor-executivo da Cinemateca, Carlos Magalhães.
À medida que as apurações avançavam, sem comprovar os escândalos anunciados, o clima desanuviava sem, no entanto, retirar a Cinemateca e a SAC do limbo político e administrativo em que foram colocadas.
Em julho de 2015, a nomeação de Olga Futemma para a coordenação da Cinemateca interrompeu a paralisia e preparou o terreno para a recuperação da instituição. Seu profundo conhecimento da estrutura organizacional e dos procedimentos técnicos, consequência de uma vida dedicada à Cinemateca, permitiu que reunisse em torno de sua liderança suave jovens talentos surgidos no trabalho desenvolvido internamente. A Cinemateca avançava discretamente na direção de uma precária estabilidade, que já mostrava frutos objetivos, como puderam constatar pessoalmente o atual Ministro e seu Secretário do Audiovisual, em visita recente.
Antes a pequena política interna do Ministério, agora a grande política partidária atingiram a Cinemateca em pleno voo. Tal constatação dá o que pensar. A vulnerabilidade da Cinemateca ao jogo político está certamente associada à instabilidade no seu órgão superior, a Secretaria do Audiovisual, que teve em média um titular por ano, nos últimos tempos. Nem sempre foi assim. Quando a Cinemateca Brasileira deixou de ser uma instituição da sociedade civil e foi incorporada com autonomia ao Governo Federal em 1984, imediatamente abrigou-se na estrutura da Fundação Nacional pró-Memória. Com a sua extinção, passou a fazer parte do conjunto dos museus federais.
A Cinemateca Brasileira é um museu e sua rotina, museológica. Não cabe numa estrutura de fomento, que demanda outra dinâmica e atende a outros interesses. Tem acervo audiovisual relevante, o maior da América do Sul, desenvolveu ao longo de 40 anos um laboratório de restauro, hoje reputado entre os três melhores do mundo, dispõe de reserva técnica climatizada, possui coleção documental única, instrumentos eficientes de difusão cultural, instalações invejáveis mesmo para as congêneres estrangeiras, enfim, tudo o que constitui um museu de ponta. O seu lugar é junto ao Museu Nacional de Belas Artes, Museu Histórico Nacional, Museu Imperial, Museu da República etc.
O governo interino recentemente teve a sensatez de recuar na extinção do Ministério da Cultura. Podia agora demonstrar igual prudência ao revogar as demissões que impactaram seus órgãos. E no caso da Cinemateca Brasileira, em reconhecimento pelos seus 70 anos, e pelo centenário de seu fundador Paulo Emílio Sales Gomes, ambos celebrados neste ano, devolver-lhe a verdadeira identidade de um museu moderno, vinculando-o ao IBRAM.

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