As águas da baía se espalham debaixo de minha varanda. Costumam
ser de uma imobilidade absoluta, metálica. Hoje é chumbo, ontem foi aço. Confundem-se
com o céu que elas refletem, costuradas vagamente lá no fundo com as prováveis
terras que anunciam Salinas das Margaridas e a entrada do rio Paraguaçu.
Vez ou outra, quando os ventos irritados reclamam, sobem então
ondas a lamber as laterais dos barcos.
Mas nunca por muito tempo.
Hoje tem doze cargueiros. Ontem eram catorze. Como se
estivessem soldados na chapa. Sai um, carregado de contêineres vermelhos e
verdes. Vai rodando devagar, sem ajuda daqueles barquinhos que, com seu nariz
achatado, sempre me lembram desenhos animados dos anos 40. Suponho que razões
econômicas prescindiram desta solução lenta e penosa.
Deslizam alguns barcos menores tesourando a superfície.
No meio dos cargueiros, um barquinho, como perdido na
imensidão cinza.
Algum pescador. Daqui não dá para ver bem o homem, muito
menos a vara.
Quem será? Quantos anos pode ter? Uns quarenta, sessenta?
Como saber?
Ali está ele, sem idade, sem rosto, isolado do mundo,
dialogando silencioso com os peixes que hesitam em morder a isca. Em que, em quem
pensa o pescador? Em sua mulher, sua amante, seus filhos? Na falta que faz
algum dinheiro a mais? Ou é simplesmente um aposentado, amador de solidão, que
assobia desafinado, mas feliz por estar longe de todos? Dá uma olhada do canto
do olho para esta cidade tentacular que tudo abocanha à sua volta, e ele, feliz
por poder escapar, nem que seja por algumas horas.
Tem tantos anos que vejo este barquinho... Como saber se é o
mesmo? Claro que não tenho a certeza. Pode ser ele como qualquer outro, se revezando,
quem sabe, antes do começo do dia. Na realidade é sempre o mesmo, mudando de
rosto ou de idade. As iscas são as mesmas, os pensamentos também.
Há quinhentos anos que barquinhos estão a pescar nestas
mesmas águas... Que bobagem! Bem mais de quinhentos anos, mil anos... mais!
Todos pensam igual, todos à espera de peixes que já foram mais inocentes, mais numerosos.
Só mudaram os ruídos da ribeira, a forma dos grandes barcos.
Lá vai ele se afastando, devagar, sempre mais distante...
Dimitri Ganzelevitch
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