quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

AS PRAIAS IMUNDAS DE SALVADOR



Barreada: número de medições impróprias no Farol da Barra bate recorde

No ponto próximo ao Barravento, boletins impróprios ultrapassou 51% em 2017
Ao final do Carnaval, a ressaca não é só das pessoas. Que o diga a Praia da Barra, entre o Morro do Cristo e o Farol. No dia seguinte à Quarta-feira de Cinzas, era possível encontrar ali de tudo um pouco. De embalagens plásticas a latas de cerveja, de camisinhas a restos de fantasias. Não por acaso, o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) aponta este trecho como uma das 14 praias impróprias nesse final de semana.
Mas, o lixo trazido por eventos como o Carnaval é apenas um dos itens a contribuir para a cada vez mais baixa balneabilidade da Barra. Levantamento feito pela Escola de Dados a pedido do CORREIO, que analisou mais de 1,4 mil boletins de balneabilidade divulgados semanalmente pelo Inema, mostra que a quantidade de medições impróprias no local cresce ano a ano. 
As medições foram registradas em dois pontos diferentes da praia. Em frente a uma das escadas de acesso (defronte à Rua Dias D’Ávila), o número de medições impróprias bateu recorde em 2017. Aumentou quatro vezes em relação a 2016, pulando de quatro para 16 medições impróprias entre 52 análises realizadas em cada ano. No outro ponto de medição, próximo ao Barravento, as nove análises impróprias registradas em 2016 subiram para 27 em 2017. 
O número neste ponto também é recorde e ultrapassa a proporção de 51% de medições impróprias. Este ano, nos mesmos dois pontos, das cinco análises realizadas em janeiro, uma deu imprópria e as outras quatro, próprias. Neste final de semana, ela está imprópria. Na quinta-feira pós Cinzas, mesmo com todos os detritos do Carnaval trazidos pelos locais de saída de água pluvial, muita gente insistia em usar a areia e até cair na água. 

Trecho em frente à Rua Dias D'Ávila teve 4 vezes mais medições impróprias no último ano (31%), em relação a 2016 (8%). No Barravento, mais da metade das análises foi negativa no ano passado -- três vezes pior do que no ano anterior.
“Muito palito de queijo coalho, lata de cerveja e até camisinha. A gente catou muito lixo”, disse Valdomiro Bastos, 53 anos, acompanhado do neto, da nora, do filho e de duas amigas do interior do estado. Os turistas estrangeiros também se arriscavam. “A gente imaginou que essa sujeira era do Carnaval, o que também é verdade. Mas não sabíamos que essa praia está muitas vezes imprópria”, disseram duas amigas chilenas, que preferiram não ter os nomes divulgados.
Lixo na praia do Faro da Barra no dia seguinte à Quarta-feira de Cinzas (Foto: Alexandre Lyrio/CORREIO)
Esgoto
O problema é que, para além do lixo inorgânico das ruas por onde passaram os trios, havia algo ainda mais nocivo. Um dos sinais do problema era o mau cheiro, especialmente nos pontos de saída de água da chuva - ou que deveriam ser apenas saída de água da chuva. Antes mesmo de ouvirmos os órgãos competentes, os ambulantes do local davam uma dica do que pode estar acontecendo na Barra. 
“Rapaz, não é possível que isso aí seja só água da chuva com o lixo da rua. Olhe a cor dessa areia! Sinta o cheiro. Isso é esgoto, irmão!”, disse  Lázaro Damasceno, que há 15 anos trabalha no local. “Desce de tudo por esses canos aí. Fezes, ratos, tudo. Ó os pombos. Esses pombos transmitem meio mundo de doenças”, insiste. 
O pior é que Lázaro está certo. Os dutos de água pluvial recebem mais do que lixo e água da chuva, confirmam o Inema, a Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), ligada ao governo do estado, e a Secretaria de Manutenção da Cidade (Seman). Todos explicaram que ligações clandestinas na rede de drenagem agravam o problema. 
“O lixo das ruas, certamente, é um dos fatores a influenciar nessa baixa balneabilidade. Mas, as ligações clandestinas de esgoto existem e, no período de chuvas, são um fator importante para tornar a praia da Barra imprópria”, afirma Eduardo Topázio, diretor de Águas do Inema. A ocupação desordenada do solo contribui diretamente. “Estamos falando de uma praia urbana, em uma área populosa e com diversas comunidades que ligam clandestinamente seus esgotos na rede de escoamento”.    
Crianças brincam em meio ao lixo na praia do Farol (Foto: Alexandre Lyrio/CORREIO)
A Embasa confirma que as ligações clandestinas de esgoto na rede de drenagem existem porque, na Barra, há imóveis construídos abaixo do nível da rede de esgoto, o que inviabiliza a coleta dos esgotos domésticos, que se faz por gravidade. “Nesses casos, a solução seria a instalação de uma bomba elevatória pelo proprietário ou morador do imóvel”, observa a Embasa. 
Para diminuir o problema, a Embasa diz ainda que uma rede coletora de esgotos opera normalmente no local em “tempo seco”, mas não comporta o volume de água quando chove. Ou seja, as estações que bombeiam esgoto da Barra para outros locais extrapolam suas capacidades nas chuvas e os dejetos muitas vezes vão parar na praia e no mar.   
Fiscalização
O problema é que Inema, Embasa e Seman não chegam à conclusão de que órgão deve fiscalizar isso. A Embasa diz apenas que a “manutenção da rede de drenagem pluvial é de responsabilidade da prefeitura”. A Seman, por sua vez, confirmou que a manutenção é atribuição sua, mas não a fiscalização. Neste caso, diz, cabe à Embasa. 
“O artigo 3º da lei 7.307/98 afirma que é de responsabilidade da Embasa desfazer a ligação do esgoto clandestino junto à rede de drenagem municipal”, defende-se a Seman. Enquanto isso, a consultora de cosméticos Tatiana Barbosa arrisca, sem saber, a saúde de seus dois filhos, de 4 e 6 anos. “A gente vê essa sujeira, mas não imagina que a praia pode estar imprópria”, justifica.
Limpurb diz que Barra tem praia atípica
Apesar de as ligações clandestinas de esgoto serem um fator importante na balneabilidade, o lixo das ruas e dos próprios banhistas podem ter influência direta na definição se uma praia é imprópria para banho ou não.
No caso da Barra, a própria Limpurb afirma que se trata de uma praia atípica em que é feita a limpeza em três turnos. “A Barra é uma praia 24 horas. A Barra e o Porto  (da Barra) são áreas atípicas. A limpeza é feita pela manhã, à tarde e à noite”, afirma o presidente da Limpurb, Kaio Moraes.
Saída de água pluvial em frente à Rua Dias D'Ávila (Foto: Alexandre Lyrio/CORREIO)
Segundo ele, uma equipe especial com 22 agentes de limpeza atuam no período noturno. Um trator com uma carroceria recolhe todo o lixo varrido pelos agentes. “Depois que o trator passa, a gente faz a peneiração da areia. Uma peneira enorme puxa tudo o que está 30 cm abaixo da superfície da areia”. A Limpurb, portanto, acredita que o lixo não define a balneabilidade da praia da Barra.

Em 2017, 43% das análises resultaram impróprias. Até 2010, número não chegava a 25%

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