Contenham as gargalhadas, amigos. Por incrível que pareça, o ministro quis falar sério, não pretendia fazer piada. É um prodigioso e estapafúrdio brown nose. (A pessoas como ele a gente boa dos EUA costuma aplicar esse epíteto ferino - brown nose - que mostra com rude clareza seu nojo pela categoria). Mas o emproado ministro não fica por aí em matéria de disparate. O resumo de seu artigo encerra pérolas incríveis. É melhor citá-lo para não parecer que estou inventando:
"O presidente Donald Trump propõe uma visão do Ocidente não baseada no capitalismo e na democracia liberal, mas na recuperação do passado simbólico, da história e da cultura das nações ocidentais. A visão de Trump tem lastro em uma longa tradição intelectual e sentimental, que vai de Ésquilo a Oswald Spengler, e mostra o nacionalismo como indissociável da essência do Ocidente. Em seu centro, está não uma doutrina econômica e política, mas o anseio por Deus, o Deus que age na história. Não se trata tampouco de uma proposta de expansionismo ocidental, mas de um pan‑nacionalismo. O Brasil necessita refletir e definir se faz parte desse Ocidente".
Aí está: quem julga que Trump é capitalista está enganado, ele é apóstolo e intelectual. O muro que tanto anseia erigir na fronteira do México deve ser um baluarte para a defesa dos valores ocidentais.
A Ostwald Spengler, Ernesto Araújo dedica verdadeira devoção. Spengler dedicou sua obra máxima, Der Untergang des Abendlandes (A decadência do Ocidente) ao estudo da oito Hochkulturen (civilizações) que identificou ao longo da trajetória humana. Uma delas vem a ser a greco-romana, "apolínea"; a ocidental (ou "fáustica") é já outra, aos olhos do pensador alemão. Ou seja, para Spengler, Ésquilo NÃO era um ocidental. Já segundo Araújo, que pensa seguir o mestre, o Ocidente nasce na batalha de Salamina, ou na obra de Ésquilo que a evoca. Para mostrar sua profunda erudição, ele cita em grego uma breve passagem da tragédia Os Persas: o trecho que começa no verso 402 e se conclui no 405. Trata-se de um curto segmento do longo discurso do mensageiro à rainha Atossa, com a descrição do ataque dos gregos à frota de Xerxes. O mensageiro conta que os gregos clamavam uns para os outros (não cantavam, como quer Araújo) concitando-se à luta para livrar do iminente jugo persa suas mulheres, seus filhos, sua pátria, os templos de seus deuses, os túmulos de seus antepassados. Era parte de seu brado a sentença Eleutheroúte patrída! Araújo entusiasma-se: "Deve ser a primeira vez que essa palavra aparece nesse sentido na literatura grega ou em qualquer literatura". Refere-se ao nome patrís (no acusativo no trecho citado), que se pode traduzir como "pátria", pois tem como referente a terra dos dos pais e antepassados, embora não evoque sempre um estado-nação em sentido moderno. Sinto decepcionar o chanceler: o termo em questão é empregado com o mesmo sentido já em Homero (Od. X, 236). De resto, o que começa a despontar em Salamina é a breve hegemonia ateniense, o impulso ascensional da "pólis tyranos" que cria um efêmero império. Mas seria muito exigir do novo chanceler um mínimo de conhecimento da história antiga, ou da historiografia tout court. Na xaropada da sua construção retórica do mito de um Ocidente de fancaria a cada página se encontra um chorrilho de asneiras. Não gastarei mais tempo com isso; apenas quero mostrar, com um pequeno exemplo, o mal da cultura de almanaque. O problema é que Araújo não expõe ao ridículo apenas sua bizarra pessoa: é o Brasil que corre o risco de virar motivo de galhofa no mundo inteiro, com um chanceler tão afetado, vazio e caricato, que em matéria de pensamento, cultura e nível intelectual não difere muito da sua colega Damares. A rigor, não me espanta o fato de que ele tenha assumido seu alto cargo, pois sei muito bem quem o nomeou. O que me intriga é que tal figura tenha entrado no Itamarati. Que aconteceu com a casa de Rio Branco?
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