segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

NOSSO FUTURO ESTÁ NO NOSSO PASSADO


Nizan Guanaes

A PRAÇA CASTRO ALVES NOS ANOS 70, QUANDO AINDA HAVIA VIDA                     NO CENTRO ANTIGO DE SALVADOR, E MUITO TRANSPORTE PÚBLICO                     A SERVIÇO DO TRABALHADOR
Um estado cheio de história e que encanta o mundo precisa se reencontrar com sua essência para crescer de forma única
Quando fiz 60 anos, no ano passado, minha psiquiatra deu um conselho memorável: “Nizan, volte pra Bahia”. Ela não estava me aconselhando a mudar para a Bahia, mas ficar perto da Bahia e deixar a Bahia me mudar.
O menino do Pelourinho cresceu, mudou para São Paulo, ganhou o mundo. Foi muito tempo longe do lugar em que nasci, da terra de meus pais, irmãos e tios, dos meus amigos e colegas do Marista, de nossos costumes e crenças. A gente ganha o mundo, mas se perde nele. E se isto é verdade para mim, se eu preciso recapturar a minha história, é verdade também para Salvador.
O New York Times acaba de apontar a cidade como um dos 52 lugares para se visitar em 2019. É a única cidade brasileira da lista. E o texto do mais importante jornal do mundo não deixa dúvida: tudo o que ele destaca está na cidade velha. Se Salvador for ser a cidade global que deve ser, o caminho está ali.

Nosso futuro está no nosso passado. Nós, os velhos baianos, chamamos Salvador de Bahia em função da Baía de Todos-os-Santos. Só que Bahia se escreve com H, o H da história. Esse é o H que nos define, nos torna interessantes, criativos.
Seguindo o conselho da psiquiatra, resolvi passar boa parte do Verão aqui na cidade. Para estar ainda mais perto, pedi a Renata Magalhães e ao CORREIO para escrever esta coluna e assim dividir meus pensamentos com a comunidade onde nasci.
Não quero apontar defeitos nem fazer críticas, mas dar sugestões e insights. A cidade, como diz o Times, vive um renascimento. É preciso aproveitar. A chegada de hotéis como o fabuloso Fasano, onde estarei hospedado, e o lindo Fera Palace trazem novo ciclo para o Centro Histórico. Surgem novos empreendimentos - hotéis, restaurantes, museus, galerias, antiquários. Dois centros de convenções estão planejados em localizações adequadas e complementares, na orla e na Cidade Baixa. Que venham, rapidamente, para encher Salvador com seus eventos, gerando os recursos que a cidade precisa.
O turista vem ver história, cultura, música, culinária  - vem ver a Bahia com H. Caetano, Gil, Glauber, Caymmi, Jorge Amado, Risério, Carybé, Cid Teixeira bebem da água da história e são chafarizes para nós.
Então, meus amigos, história na veia da nova geração, nas veias da cidade. Uma dose massiva nos currículos das escolas públicas e privadas. Esse papel não é só do Estado, é da comunidade. TVs, rádios, jornais, blogs, sites têm que ensinar história. Nossos artistas e comunicadores devem propagar história. Os motoristas de táxi e de Uber precisam saber nossa história de cor e salteado. História é orgulho, história é ética, história é cuidado com a coisa pública, história é propósito.
Não se trata de poesia nem delírio meu. Isso é posicionamento estratégico, a minha especialidade, o que faço há 40 anos para centenas de clientes, entre os quais os maiores grupos privados do Brasil e do mundo.
Salvador não tem que inventar a roda, tem que copiar Lisboa, Paris, Roma. Mas copiar do seu jeito. Lisboa é a sensação da Europa porque está construindo uma cidade moderna sob os alicerceares da antiga.
Vamos trazer as melhores coisas do mundo. O Uber aqui será com H. A Califórnia tem o Vale do Silício, Salvador terá o Vale do Dendê, criada pela mente de Paulo Rogério, que luta para espalhar startups de nossa criatividade com pitadas de pimenta. Isso é sonho? Não. Vamos lembrar que esta cidade há décadas sacode o Brasil e o mundo. Sartre e Neruda vieram a Salvador atrás de Jorge Amado. Chega de modéstia. Modéstia não é um traço baiano. Nós tentamos ser modestos, mas não encontramos motivo.
O que precisa ser feito, todo mundo sabe. As respostas são conhecidas. Eu vim fazer perguntas. Por que nossos sinos não tocam? Por que não incentivamos as noivas do Brasil todo a virem casar na cidade com 365 igrejas? Por que estamos perdendo o lindo hábito de vestir branco nas sextas-feiras? Por que exploramos pouco a Baía de Todos-os-Santos? Nosso calendário de eventos é global ou paroquial? Por que os blocos afros não são prestigiados com toda a sua importância? O mundo chega e chora de emoção ao ver o Ilê passar. Como vi Naomi Campbell fazer. Quando o mundo viu Michael Jackson e Paul Simon cantando os tambores da Bahia, o mundo pirou.
Meu avô, um sindicalista mulato e comunista, me ensinou nossa história, e essa plataforma genética me fez cidadão do mundo. Fui longe e agora quero voltar. Como aconteceu comigo, minha cidade amada, minha soterópolis, minha Roma Negra, minha Bahia com H, eu lhe dou um conselho: volte pra casa, Bahia. Volte pra Bahia.
Nizan Guanaes é empresário e publicitário, sócio do Grupo ABC, maior conglomerado de comunicação da América Latina. É o autor de We Are The World of Carnaval, considerado um dos hinos do Carnaval baiano

No Twitter, Nizan Guanaes critíca Salvador e a 'indústria do axé'

A banda Chiclete com Banana foi apontada como ícone da decadência do turismo na capital
Responsável por vender as cotas de patrocínio do Carnaval de Salvador em 2008 e 2009, o publicitário Nizan Guanaes disparou pesado contra a cidade e uma das principais atrações da festa: a banda Chiclete com Banana. O grupo, capitaneado pelo vocalista Bell Marques, foi apontado por Guanaes como ícone da decadência de Salvador no turismo e na cultura em relação a outras capitais.
O que teria motivado o comentário de Guanaes foi o destaque da Bahia no jornal NewYork Times como um dos principais destinos turísticos do mundo. 'A Bahia que o NY Times está se referindo é Trancoso, Itacaré, Algodões, Maraú. Eu estou falando da falta de eixo de Salvador. Olhem o trabalho consistente que Floripa tem feito. Olhem o governador e o prefeito do Rio tabelando juntos. Salvador e São Paulo terão que se reposiconar”, postou no microblog.
E continua as críticas: “Salvador está out. A Bahia está in. Esta indústria do axé, personifi cada em Bell do Chiclete, só destrói a Bahia. Ele não é um artista. É um crooner careca. Tudo nele é mentira. Salvador está como Bell do Chiclete. Careca e fingindo que tem trança”, criticou.
De férias com a família no Caribe, Bell foi defendido pelo irmão, Wadinho, tecladista do Chiclete: “Deixo esse provérbio para alguém: os cães ladram e a caravana passa”, escreveu no Twitter oficial da banda.

(Notícia publicada na edição impressa de 13/01/2010 do CORREIO)

EU VOLTEI NIZAN
Me chamo Samir, tenho 36 anos e sou natural de Salvador.
Fui criado na rua Marechal Floriano, aquela mesma do colégio Marista que você e eu estudamos.
Foi lá que fiz grandes amigos dos quais também senti falta por passar tanto tempo longe.
É que há 3 anos larguei a minha carreira de engenheiro civil para ganhar o mundo de uma forma diferente da sua.
Decidi viajar de mochila por aí, conhecendo e absorvendo tudo que a vida, a humanidade e este magnífico planeta tem a nos oferecer.
Antes de partir decidi passar 40 dias na minha terra, perto dos meus pais, irmãos e amigos.
Fui na Ilha de Itaparica e me emocionei muito com as lembranças da minha infância rica de tempo e leveza.
Senti que antes de mergulhar nesta excitante jornada com passagem só de ida, precisava resgatar a minha própria história com H.
Eu não tenho psiquiatra nem psicólogo, mas uma frase de John Lennon me inspirou a refletir sobre a melhor forma de contribuir com a cidade e país que tanto amo: “Pense globalmente e atue localmente”.
Faz pouco mais de 2 meses que voltei.
Meu sogro me mostrou a reportagem do New York Times e, alguns dias depois, muitos amigos me enviaram seu texto.
Eu gostei muito e me senti inspirado quando terminei de ler, mas depois veio aquela sensação de… sim, e aí?
Todos, conscientemente ou não, sabemos do que deve ser feito.
Nós moramos aqui.
Mas como e quem vai ligar esses pontos para finalmente vivenciarmos uma mudança na prática ainda está nebuloso.
Gostamos do textão mas estamos muito, muito sedentos por ação.
Bom… um dia num passeio de barco por 3 dias em Halong Bay no Vietnam, me percebi sentado numa mesa com gente de todo canto do mundo comendo coletivamente.
Uma espanhola ao meu lado chegou a me perguntar se eu era do Ministério do Turismo do Brasil de tanta pergunta que fiz sobre o porque dela nunca ter nos visitado.
É que o Vietnam é do tamanho do estado do Maranhão e recebe o dobro de turistas de todo o Brasil.
“Samir, você viu que ontem mataram um Italiano com um tiro na cabeça no Rio de Janeiro? Isso está presente na nossa mídia a todo momento sobre o Brasil”.
De Madrid para Hanoi é quase o dobro da distância para Salvador.
O Vietnam é lindo, é longe, sujo e bastante pobre, mas é seguro e bem barato.
Na minúscula ilha de Bali, a qual morei por 4 meses, também tem muito amor e simpatia do povo para com qualquer um.
Mas, para além disso, o governo indonésio criou um curso intensivo de 1 ano para jovens aprenderem a falar inglês e a servir bem o turista em hotéis e restaurantes.
É comum ver iniciantes deste mesmo curso fazendo pesquisas de satisfação com os clientes estrangeiros em estabelecimentos para melhorar continuamente e fazer o sistema funcionar de verdade.
Um povo alegre é pré-requisito básico para todo ser humano se sentir bem fora de sua casa.
Meu amigo turco visitou o Brasil recentemente.
Adorou, mas ficou frustrado por ninguém no Leblon ter conseguido responder para ele como se formou a favela do Vidigal que ele tanto subia para ir ao incrível Bar da Laje. Não era somente por não saberem da palavra com H, era porque não sabiam falar outro idioma no metro quadrado mais caro do país.
Somos o 14º destino do mundo citado pelo New York Times e sequer sabemos falar inglês.
Eu não curto muito a palavra turista, gosto de chamá-los de viajantes.
O viajante troca qualquer Fasano por uma aconchegante pousada, desde que ele se sinta seguro e bem informado.
Ele não quer somente ir no Pelourinho e Farol da Barra tirar uma foto, mas frequentar os lugares que os locais gostam e trocar ideia com eles.
Ideias que nos conectam como gente de verdade, como empreendedores sociais e cidadãos de um só mundo.
Ideias que levam nossa criatividade e consciência para outro patamar.
O viajante quer conversar, aprender bebendo da fonte da cultura que é o seu povo.
Ele quer ouvir sobre nossa história não somente no “Huber”, mas da boca de Senzala e Sagat, os capoeiristas dessa foto que vivem driblando o rapa quando pisam e “estragam” o gramado da praça do Farol, ao tempo que lutam para sobreviver com uns trocados dos turistas que pedem foto dando Aú sem mão nas quentes pedras portuguesas da calçada.
A capoeira foi a solução para o desemprego deles.
A cultura foi a saída para sua sobrevivência.
Todos sabem Nizan, consciente ou instintivamente.
Já imaginou se eles também soubessem traduzir as letras de Mestre Barrão e pudessem explicar sobre o Forte Santa Maria e São Diogo que ficam ali do lado?
A capoeira é reconhecida pela Unesco como patrimônio imaterial da humanidade.
Salvador é a cidade mais brasileira do Brasil. Somos a cidade mais negra fora da África, temos 365 igrejas mas nenhum museu da escravidão.
Isso é Bahia com H.
Eu saí por aí e, mesmo procurando muito, não vi nada mais belo do que essa terra abençoada, apenas diferente.
Nada superou Itacaré, Ilha dos Frades e Maré, Barra Grande e Santo André, Itaparica, Boipeba e Moreré.
O viajante não se importaria com o nosso aeroporto com 6 anos de atraso nas obras, desde que não roubassem seus bens no despacho das malas.
Nesse tempo todo, interrompi a viagem uma única vez para voltar à Bahia por conta de um problema familiar.
E segunda semana aqui, naquela mesma rua do Canela que eu e você estudamos, sofri uma tentativa de sequestro, sendo salvo pelo porteiro do prédio que por sorte não estava dormindo.
Hoje, neste domingo ensolarado que decidi escrever esse texto, fui com a minha namorada para uma das lindas praias de Stella Mares.
Ao ligar o rádio do carro escutava o locutor anunciar 14 praias impróprias para banho, dentre elas a do Farol da Barra.
A do Farol da Barra, Nizan!
Todos sabem há décadas que uma rede de esgoto desemboca ali no Barra Vento, mas ninguém faz nada.
Aqui é lindo, é sujo e muito pobre, mas também é caro e perigoso.
Muito perigoso, Nizan.
Eu também acho que poderíamos fazer da avenida Contorno um novo Porto Madero ou uma daquelas mágicas Harbour de Sydney mas nós precisamos de um forte trabalho de base, sabe?
O Bahia Azul, aquele lindo programa de saneamento da década de 90, lembra?
Então... nada ainda.
Há pouco lavamos o Bonfim, mas em seguida a realidade que estamos literalmente nadando na merda voltará a nos incomodar.
Hoje eu trabalho com autoconhecimento, ajudando pessoas e empresas a olharem para dentro, numa viagem de volta a sua Bahia.
Eu entendi sua mensagem, concordo com cada linha e quero deixar claro que isso não é uma crítica ao seu magnífico texto.
Apenas vi necessidade e uma grande oportunidade de enriquecermos esse debate, principalmente pelo fato de nele não destinar nenhum parágrafo ao poder público. Acredito que somente em conjunto poderemos fazer acontecer uma mudança real de agora em diante.
Seria uma grande honra ser seu liderado na secretaria de turismo da Bahia por exemplo, desde que você me diga como desmontarmos aquele feudo com seus velhos tentáculos que nos adoecem.
Gostaria muito de despejar minha energia e vontade de contribuir para materializar suas ideias globais.
Quem sabe assim poderíamos explicar à população porque nunca conseguimos passar dos ínfimos 5 milhões e uns quebrados de turistas anuais.
Certamente criaríamos algo diferente do clichê das baianas de acarajé entregando fitas do Bonfim nas feiras internacionais.
Certamente tomaríamos alguma ação para surfar a onda da novela que, gratuitamente, nos colocou em evidência por mais de um semestre no horário nobre da maior emissora no país.
Só não sei como poderíamos nos apropriar das capitanias hereditárias ou fazer despertar os senhores feudais que passeiam por aqui.
Sei lá, você conhece tanta gente… de repente poderia inspirar um movimento onde só os honestos com H pudessem liderar nossa tão amada Bahia.
Na mesma semana em que li seu texto, um senador que dizem será o próximo governador do nosso estado, nomeou a filha de 20 e poucos anos, arquiteta e dona de um blog de decoração, para o TCE.
Ela fará companhia a prima que já está lá há mais de uma década.
Sim, na Bahia continua tendo precedentes para todos os absurdos que se possa imaginar.
Estou de volta Nizan, cheio de energia para trabalhar, movido pelo mesmo propósito que você, o amor pela nossa cidade natal.
Eu voltei Nizan e vi que está querendo voltar.
Venha, porque morar aqui ajuda a gente a se conscientizar, assim como também indignar.
Um abraço e seja bem vindo!
Samir Abud
Empreendedor, Escritor e Viajante

Nenhum comentário:

Postar um comentário